Em Feira
Faliu a construtora
o banco
a banca do jogo do
bicho
No Rio
dez por cento
abaixo da linha
da pobreza
Miserabilidade
Enquanto isso
Lá em São Paulo
O governo
banca
com nosso dinheiro
A construção de
um estádio
para o Corinthians
Para inglês ver
E denunciar...
Augusto Spínola
Espaço para publicações/discussões sobre pensamentos e memórias...
quinta-feira, 28 de julho de 2011
sábado, 16 de julho de 2011
Assalto
Julho de
2011
Menos chuva
Mais violência
Era 12:30h
Quando
A bala foi
Disparada
De nada
Adiantou
A blusa discreta
De frio
O peito
Foi atingido
O corpo
Caiu
Ao chão
Misturou-se
Ao cinza
E frio
Piso da loja
Ao vermelho
E quente
Sangue
De passarinho
A alma também
Deve ter
Voado
Para os céus
Dos pássaros livres
Dos seres
Que vivem
E
Deixam viver
Que
Tecem
E se deixa
tecer
Por destino
Enquanto
O bando
Do pássaro morto
Engole
Nós
Que parecem
Se prender
Na garganta
Nós...
Destinos...
Sina...
Tudo porque
A polícia
Não sabia
Que o crime
Ia acontecer ali
Só comerciantes
Que instalaram
Câmeras
À espera
de um novo
Assalto
A. Spínola
2011
Menos chuva
Mais violência
Era 12:30h
Quando
A bala foi
Disparada
De nada
Adiantou
A blusa discreta
De frio
O peito
Foi atingido
O corpo
Caiu
Ao chão
Misturou-se
Ao cinza
E frio
Piso da loja
Ao vermelho
E quente
Sangue
De passarinho
A alma também
Deve ter
Voado
Para os céus
Dos pássaros livres
Dos seres
Que vivem
E
Deixam viver
Que
Tecem
E se deixa
tecer
Por destino
Enquanto
O bando
Do pássaro morto
Engole
Nós
Que parecem
Se prender
Na garganta
Nós...
Destinos...
Sina...
Tudo porque
A polícia
Não sabia
Que o crime
Ia acontecer ali
Só comerciantes
Que instalaram
Câmeras
À espera
de um novo
Assalto
A. Spínola
terça-feira, 12 de julho de 2011
Intervalo da escola
17h40min. A sirene anunciava o fim da aula daquela tarde quente de outubro. O barulho dos estudantes – gargalhadas, pastas que caíam, gritos – contrastavam com o seu ritual silencioso: delicadamente ela recolhia livros e cadernos, guardava lápis e canetas e fechava o zíper da sua mochila. Flutuava em direção à porta da sala e se dirigia ao portão de saída. Era sempre acompanhada por duas, três, quatro amigas que moravam por perto. Andava meio calada ultimamente. Talvez triste, talvez cansada... Franzia a testa e esticava a sobrancelha olhando constantemente para o chão (O que procurava?). Sempre que passava das três, na hora do intervalo, ela conseguia afastar-se das colegas e refugiar-se na sua cadeira, que ficava quase ao fundo da sala. Iniciava um ritual de olhar para suas mãos, para o caderno aberto numa eterna folha em branco e... para o chão. Raramente desgrudava os olhos dali. Na época parecia possuir cerca de dezesseis anos (talvez dezessete). Era morena, longos cabelos escuros encaracolados, alta, lábios finos, olhar reflexivo, atenciosa, meiga, inteligente... Não sei o que aconteceu quando me deparei com ela pela primeira vez. Havia saído do sertão da Bahia, Norte-Nordeste do Estado, divisa com Sergipe e Alagoas. Não reparava mais do que carcarás quando voavam, araras-azuis quando gritavam passando em bando, ou cabras leiteiras que precisava apartar para o outro dia. Mas reparei que a menina ficou inquieta, só não percebi até quanto naquele momento. Reparei que desviou o olhar, mas não sabia julgar que importunara. Sei que aquela calça azul e aquela blusa branca que ela usava, parecia ser a farda de colégio mais bem feita que alguém poderia usar. Sua cintura era esculpida, sua bunda era ligeiramente arrebitada e num tamanho perfeito. E os seios ficavam “de prontidão”, sempre durinhos, bico enrijecido... Uma criatura, um demônio para nossos olhos masculinos. Passei a notar que ela modificava seu comportamento quando eu estava por perto. Ora agressiva – pelas respostas que dava - ora complacente – pela cara que fazia quando, à sós comigo, puxava algum tipo de conversa. Nunca vira algo parecido lá pelas bandas. Mundo, mundo... O que acontecia com aquela menina?
Certa feita decidi caminhar na direção da sala de aula para encontrar olhares, encontrar pensamentos perdidos. Ela estava lá. Mesma fila, mesma cadeira, mesma roupa, mesma folha em branco... Mesma inquietação quando me aproximei. Segui firme naquela direção. Senti que estava acuada, amedrontada pela minha aproximação. Mas não pensei em mudar de direção. Firme, sentei-me de frente e pus a minha mão direita sobre a sua. Fingi recolher a caneta e passei a escrever naquela folha em branco. Iniciei com dizeres sobre seu olhar, sua boca, seu rosto. Passei para nossos olhares, nossas conversas, nossas inquietações. Cheguei com o texto naquela minha presença tão próximo a ela... Cheguei ao carinho na sua mão, nos dedos em seus longos cabelos escuros... Sabia que ela acompanhava o texto produzido. Mas o toque da sirene indicando o fim do intervalo nos interrompeu. Meninas do bando que andava com ela surgiram gritando ininterruptamente. Pareciam araras. Meninos suado do baba, entravam aos berros, gritando por jogadas que nunca aconteceram e interrogando-me por não ter ido até a sala do lado, onde ocorrera a disputa. O que havia acontecido comigo? Em meio à confusão de palavras, ao choque, levantei-me pra buscar a minha carteira. Tudo isso sem desviar o olhar nem o pensamento daquele intervalo. Esperaria o outro dia de aula e seu intervalo, e faltaria mais uma vez ao baba na sala do lado. Dedicaria-me a outra atividade de agora por diante: a escritura. Onde achava que ia chegar?
A. Spínola
Certa feita decidi caminhar na direção da sala de aula para encontrar olhares, encontrar pensamentos perdidos. Ela estava lá. Mesma fila, mesma cadeira, mesma roupa, mesma folha em branco... Mesma inquietação quando me aproximei. Segui firme naquela direção. Senti que estava acuada, amedrontada pela minha aproximação. Mas não pensei em mudar de direção. Firme, sentei-me de frente e pus a minha mão direita sobre a sua. Fingi recolher a caneta e passei a escrever naquela folha em branco. Iniciei com dizeres sobre seu olhar, sua boca, seu rosto. Passei para nossos olhares, nossas conversas, nossas inquietações. Cheguei com o texto naquela minha presença tão próximo a ela... Cheguei ao carinho na sua mão, nos dedos em seus longos cabelos escuros... Sabia que ela acompanhava o texto produzido. Mas o toque da sirene indicando o fim do intervalo nos interrompeu. Meninas do bando que andava com ela surgiram gritando ininterruptamente. Pareciam araras. Meninos suado do baba, entravam aos berros, gritando por jogadas que nunca aconteceram e interrogando-me por não ter ido até a sala do lado, onde ocorrera a disputa. O que havia acontecido comigo? Em meio à confusão de palavras, ao choque, levantei-me pra buscar a minha carteira. Tudo isso sem desviar o olhar nem o pensamento daquele intervalo. Esperaria o outro dia de aula e seu intervalo, e faltaria mais uma vez ao baba na sala do lado. Dedicaria-me a outra atividade de agora por diante: a escritura. Onde achava que ia chegar?
A. Spínola
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Vã filosofia
Encostada
na
parede
passava a mão
pelo
cabelo
como se quizesse
medi-lo
Os fios
eram
puxados
tanto quanto
uma dúzia
de pensamentos
A. Spínola
na
parede
passava a mão
pelo
cabelo
como se quizesse
medi-lo
Os fios
eram
puxados
tanto quanto
uma dúzia
de pensamentos
A. Spínola
segunda-feira, 4 de abril de 2011
A moça da Matriz
...Teve o dia em que a filha do fazendeiro saiu em disparada para a casa. Havia conhecido o palhaço do circo que a cortejou de imediato, lançando-lhe de cima daquelas pernas de pau, uma rosa vermelha que caiu bem ao alcance das suas mãos. Trêmula, ela pegou a flor magnífica que por tanto tempo simbolizava o silêncio. Daí o olhar que se encontrara e a fuga em disparada na direção da sua casa.
Chegou ofegante, entrando pela cozinha. Queria fugir dos olhares (incômodos) da mãe, e das perguntas (irritantes) do pai. Passou que nem um raio, desviando das panelas, mas não conseguiu se desvencilhar do olhar perceptivo da cozinheira. Esta era uma mulher de pouco mais de cinqüenta anos. Quarenta e nove ali. Participara do parto da filha do fazendeiro e, em muitos momentos, participara das suas vivências infantis, das suas rebeldias de adolescente, e desconfiara que estivesse participando de um novo momento da vida da menina, quando ela corava quando se falava de namoro, ou quando se aproximava daquele ambiente, a cozinha, quando o rádio disparava a tocar músicas apaixonantes. Fingia comer uma fruta – goiaba que ela adorava – que só terminava quando a música também se encerrava. Naquele dia em que ela passou voando pela cozinha, Ela notou seu rosto rubro e a rosa em suas mãos. Guardou para si. Voltou-se ao fogão onde preparava uma suculenta feijoada, que seria acompanhada por arroz branco, salada de tomate e farinha.
No seu quarto, protegida por paredes, almofadas, música e um belo cachorro, a filha do fazendeiro envolvia-se em atordoantes, confusos e picantes pensamentos. Quem seria aquele homem mascarado pela pintura, que lhe lançara aquela rosa e um olhar tão penetrante? Lembrava dos seus dez, onze, doze anos... Constantemente era levada aos circos que se armavam naquelas bandas. Adorava os números de mágica e sorria até quase não se agüentar, com as trapalhadas dos palhaços. Sentia falta dos circos, que há quase seis anos não conseguia chegar ali. A seca prolongada que se alastrara um dia, deu lugar a um intenso período de chuvas, que não permitia que nenhum carro conseguisse passar por aquelas estradas, entrecortadas que eram por riachos, beiradas de tanques e açudes, que sangravam intensamente como se dizia por lá. O caminho virava uma pasta e ninguém ousava passar, a não ser a pé, ou a cavalo. Agora, seis anos depois das secas e das chuvas, chegara um caminhão, nos rastros dos carros de bois e de produtos agrícolas que compunham a feira livre.
Como eles sempre faziam depois que subiam a lona, saiam no final da tarde para divulgar o espetáculo. Entoavam músicas engraçadas, enquanto batiam insistentemente os pratos que carregavam. Ela saíra de casa para ver algumas amigas na Rua Direita e passar no armarinho, onde compraria água da flor que cheira e dois pacotes de misses. Na saída da loja deparara-se com o cortejo: palhaços e malabarista que usavam cantigas para chamar o público para o espetáculo que marcaria a abertura da temporada – assim eles diziam – ali, naquelas bandas. Um monte de meninos gritava endoidecidos acompanhando os artistas. Na saída, encontrou-se com este grupo e deu-se o momento mágico. Aquele palhaço com losângulos vermelhos nos olhos e uma pintura branca na boca, lançara-lhe a rosa vermelha e acendera com o gesto, seu desejo por homens enigmáticos. Controlara a situação, fora verdade, mas até o momento em que estava para dobrar a esquina da Rua de Aurora, onde ficava a sua casa. Aí deu-se a disparada.
No seu quarto seus pensamentos iam longe. Imaginava a chegada daquele homem, batendo sorrateiramente na sua janela. Ele havia tirado a pintura da boca, mas não a dos olhos. Continuavam lá aqueles dois losângulos vermelhos que marcavam o enigmático sujeito. Ela fechara os olhos enquanto ele a puxara ao seu encontro. Estava apenas com uma lingerie. Um suspiro longo e o toque das mãos fizeram com que ela tremesse e reagisse favoravelmente a um longo e lambuzado beijo. Estava vivendo a sua fantasia. Um homem misterioso invadia a sua casa, avançava pela janela e ela não conseguia sair do transe de desejo em que se encontrava. Por um breve momento pensou nos pais. A mãe com sua voz de veludo, pacientemente lhe dava conselhos. Quantas vezes não dormira assim? E o pai, de voz grave e postura brava, que se escondia entre o personagem de marido fiel e pai dedicado, mas que ela já havia visto no leito do rio, abraçando a filha da vizinha morena, fazendo-lhe carícias nas coxas, abrindo seu vestido, enquanto roupas iam sendo levadas pela correnteza do rio. Lembrava que sentira raiva, inveja, decepção... Tudo ao mesmo tempo! Sonhara outras vezes com esta cena, mas era ela no lugar da filha da vizinha morena e era um homem mascarado a acariciar-lhe as coxas, bunda, seios... A partir-lhe os lábios enquanto beijava-lhe e sussurrava ser aquele beijo, aquela boca, semelhante manga, lambuzada, doce, desejada... Agora diante do palhaço que entrava pela janela, tinha a sensação de que aquele era o seu destino.
Aos dezessete anos ela temeu pela primeira vez um homem enquanto tal. Conhecera-o numa festa da Matriz, em Janeiro, quando todos os olhares se dirigiam, ou para as carroças enfeitadas e barracas dos arredores, ou para a Igreja e sua multidão de gente que insistia tanto em rezar. Ela largara-se dos pais lá dentro da Igreja e viera observar a parte profana da festa. Ao passar das carroças, uma multidão se aproximara de onde ela estava para vero cortejo passar e formara um cordão inviolável, que não a deixava passar. Estava ela ali, presa, a ter que ver todo aquele cortejo, sem poder desprender-se sentindo aqueles corpos tão próximos a ela. Um sujeito, talvez da sua idade, se aproximara tanto dela, que podia senti-lo pulsar. Se assustou tanto quanto gostou daquela situação. Não podia sair, para não forçar e cair na rua, onde passava o cortejo de carroças, não queria sair, pois sabia que ninguém os via, ninguém – diante daqueles gritos e xingamentos e talcos jogados – percebia que ela estava forçando-se para trás, enquanto ele grudava as mãos na sua cintura,ameaçando algumas vezes, deslizá-las até outros lugares. Mais uma vez vermelha e ciente da situação que vivia, largou-se num repente para além da barraca. O sino anunciava o final da missa e ela precisava encontrar-se com seus pais na saída da Igreja. Suas mãos suavam enquanto se desprendia do rapaz que, trêmulo também, pedia-lhe para revê-la. Não podia escutar nada. Não devia também. Disparou pelo corredor em direção à Igreja da Matriz. Chegou a tempo de esperar seus pais saírem. Com eles fizera o caminho de retorno à fazenda, sem deixar de pensar na cena por um só momento. Carregava aquele rapaz nos balões de pensamentos e, em casa, ao banhar-se, enquanto acariciava-se, tentava escondê-lo, tirá-lo de perto de si, dos seus sonhos sem conseguir. Ali ela se entregava e chegava a gritos e soluços incompreensíveis. Quando voltava à razão, passava a ter medo do rapaz.
Outras vezes fora surpreendida pela empregada cozinheira no banho. Ela chegara à porta para socorrê-la, acudi-la, como se falava por ali, depois de ouvir tais gritos. Acontecera algo, decerto! Não era nada. Ela estava envolvida em outros destes pensamentos e, enquanto banhava-se, perdia a noção de tempo, de espaço... Perdia o rumo da história da casa e tomada pela situação, soltava gritos e gemidos de prazer que, quando chegavam aos ouvidos da empregada cozinheira, pareciam ser soluços de tristeza (dizia ela), de choro, talvez algum acidente no banho...
Algumas (poucas) vezes ela fora ao cinema, acompanhada por amigas, mas voltando sempre para a casa com os pais. Saía da Senhor dos Passos, da altura do Cine Santanópolis, envoltas pelas cenas românticas e de aventuras dos filmes que lhe satisfariam profundamente. O filme que terminara de ver por várias vezes provocaria-lhe suspiros e sonhos. Nos sonhos estaria envolvida numa daquelas cenas, em situações amorosas, agarrada, sendo levada para uma doce viagem, regada a beijos molhados, banhos de mar, festas e noites de gemidos...
Chegou ofegante, entrando pela cozinha. Queria fugir dos olhares (incômodos) da mãe, e das perguntas (irritantes) do pai. Passou que nem um raio, desviando das panelas, mas não conseguiu se desvencilhar do olhar perceptivo da cozinheira. Esta era uma mulher de pouco mais de cinqüenta anos. Quarenta e nove ali. Participara do parto da filha do fazendeiro e, em muitos momentos, participara das suas vivências infantis, das suas rebeldias de adolescente, e desconfiara que estivesse participando de um novo momento da vida da menina, quando ela corava quando se falava de namoro, ou quando se aproximava daquele ambiente, a cozinha, quando o rádio disparava a tocar músicas apaixonantes. Fingia comer uma fruta – goiaba que ela adorava – que só terminava quando a música também se encerrava. Naquele dia em que ela passou voando pela cozinha, Ela notou seu rosto rubro e a rosa em suas mãos. Guardou para si. Voltou-se ao fogão onde preparava uma suculenta feijoada, que seria acompanhada por arroz branco, salada de tomate e farinha.
No seu quarto, protegida por paredes, almofadas, música e um belo cachorro, a filha do fazendeiro envolvia-se em atordoantes, confusos e picantes pensamentos. Quem seria aquele homem mascarado pela pintura, que lhe lançara aquela rosa e um olhar tão penetrante? Lembrava dos seus dez, onze, doze anos... Constantemente era levada aos circos que se armavam naquelas bandas. Adorava os números de mágica e sorria até quase não se agüentar, com as trapalhadas dos palhaços. Sentia falta dos circos, que há quase seis anos não conseguia chegar ali. A seca prolongada que se alastrara um dia, deu lugar a um intenso período de chuvas, que não permitia que nenhum carro conseguisse passar por aquelas estradas, entrecortadas que eram por riachos, beiradas de tanques e açudes, que sangravam intensamente como se dizia por lá. O caminho virava uma pasta e ninguém ousava passar, a não ser a pé, ou a cavalo. Agora, seis anos depois das secas e das chuvas, chegara um caminhão, nos rastros dos carros de bois e de produtos agrícolas que compunham a feira livre.
Como eles sempre faziam depois que subiam a lona, saiam no final da tarde para divulgar o espetáculo. Entoavam músicas engraçadas, enquanto batiam insistentemente os pratos que carregavam. Ela saíra de casa para ver algumas amigas na Rua Direita e passar no armarinho, onde compraria água da flor que cheira e dois pacotes de misses. Na saída da loja deparara-se com o cortejo: palhaços e malabarista que usavam cantigas para chamar o público para o espetáculo que marcaria a abertura da temporada – assim eles diziam – ali, naquelas bandas. Um monte de meninos gritava endoidecidos acompanhando os artistas. Na saída, encontrou-se com este grupo e deu-se o momento mágico. Aquele palhaço com losângulos vermelhos nos olhos e uma pintura branca na boca, lançara-lhe a rosa vermelha e acendera com o gesto, seu desejo por homens enigmáticos. Controlara a situação, fora verdade, mas até o momento em que estava para dobrar a esquina da Rua de Aurora, onde ficava a sua casa. Aí deu-se a disparada.
No seu quarto seus pensamentos iam longe. Imaginava a chegada daquele homem, batendo sorrateiramente na sua janela. Ele havia tirado a pintura da boca, mas não a dos olhos. Continuavam lá aqueles dois losângulos vermelhos que marcavam o enigmático sujeito. Ela fechara os olhos enquanto ele a puxara ao seu encontro. Estava apenas com uma lingerie. Um suspiro longo e o toque das mãos fizeram com que ela tremesse e reagisse favoravelmente a um longo e lambuzado beijo. Estava vivendo a sua fantasia. Um homem misterioso invadia a sua casa, avançava pela janela e ela não conseguia sair do transe de desejo em que se encontrava. Por um breve momento pensou nos pais. A mãe com sua voz de veludo, pacientemente lhe dava conselhos. Quantas vezes não dormira assim? E o pai, de voz grave e postura brava, que se escondia entre o personagem de marido fiel e pai dedicado, mas que ela já havia visto no leito do rio, abraçando a filha da vizinha morena, fazendo-lhe carícias nas coxas, abrindo seu vestido, enquanto roupas iam sendo levadas pela correnteza do rio. Lembrava que sentira raiva, inveja, decepção... Tudo ao mesmo tempo! Sonhara outras vezes com esta cena, mas era ela no lugar da filha da vizinha morena e era um homem mascarado a acariciar-lhe as coxas, bunda, seios... A partir-lhe os lábios enquanto beijava-lhe e sussurrava ser aquele beijo, aquela boca, semelhante manga, lambuzada, doce, desejada... Agora diante do palhaço que entrava pela janela, tinha a sensação de que aquele era o seu destino.
Aos dezessete anos ela temeu pela primeira vez um homem enquanto tal. Conhecera-o numa festa da Matriz, em Janeiro, quando todos os olhares se dirigiam, ou para as carroças enfeitadas e barracas dos arredores, ou para a Igreja e sua multidão de gente que insistia tanto em rezar. Ela largara-se dos pais lá dentro da Igreja e viera observar a parte profana da festa. Ao passar das carroças, uma multidão se aproximara de onde ela estava para vero cortejo passar e formara um cordão inviolável, que não a deixava passar. Estava ela ali, presa, a ter que ver todo aquele cortejo, sem poder desprender-se sentindo aqueles corpos tão próximos a ela. Um sujeito, talvez da sua idade, se aproximara tanto dela, que podia senti-lo pulsar. Se assustou tanto quanto gostou daquela situação. Não podia sair, para não forçar e cair na rua, onde passava o cortejo de carroças, não queria sair, pois sabia que ninguém os via, ninguém – diante daqueles gritos e xingamentos e talcos jogados – percebia que ela estava forçando-se para trás, enquanto ele grudava as mãos na sua cintura,ameaçando algumas vezes, deslizá-las até outros lugares. Mais uma vez vermelha e ciente da situação que vivia, largou-se num repente para além da barraca. O sino anunciava o final da missa e ela precisava encontrar-se com seus pais na saída da Igreja. Suas mãos suavam enquanto se desprendia do rapaz que, trêmulo também, pedia-lhe para revê-la. Não podia escutar nada. Não devia também. Disparou pelo corredor em direção à Igreja da Matriz. Chegou a tempo de esperar seus pais saírem. Com eles fizera o caminho de retorno à fazenda, sem deixar de pensar na cena por um só momento. Carregava aquele rapaz nos balões de pensamentos e, em casa, ao banhar-se, enquanto acariciava-se, tentava escondê-lo, tirá-lo de perto de si, dos seus sonhos sem conseguir. Ali ela se entregava e chegava a gritos e soluços incompreensíveis. Quando voltava à razão, passava a ter medo do rapaz.
Outras vezes fora surpreendida pela empregada cozinheira no banho. Ela chegara à porta para socorrê-la, acudi-la, como se falava por ali, depois de ouvir tais gritos. Acontecera algo, decerto! Não era nada. Ela estava envolvida em outros destes pensamentos e, enquanto banhava-se, perdia a noção de tempo, de espaço... Perdia o rumo da história da casa e tomada pela situação, soltava gritos e gemidos de prazer que, quando chegavam aos ouvidos da empregada cozinheira, pareciam ser soluços de tristeza (dizia ela), de choro, talvez algum acidente no banho...
Algumas (poucas) vezes ela fora ao cinema, acompanhada por amigas, mas voltando sempre para a casa com os pais. Saía da Senhor dos Passos, da altura do Cine Santanópolis, envoltas pelas cenas românticas e de aventuras dos filmes que lhe satisfariam profundamente. O filme que terminara de ver por várias vezes provocaria-lhe suspiros e sonhos. Nos sonhos estaria envolvida numa daquelas cenas, em situações amorosas, agarrada, sendo levada para uma doce viagem, regada a beijos molhados, banhos de mar, festas e noites de gemidos...
segunda-feira, 14 de março de 2011
domingo, 6 de março de 2011
Tempos modernos e de outros carnavais
Gostei tanto
Um dia
De festas
Como o carnaval
E a micareta
Que me perdi no trio
Sem ouvi passar
O tempo
Sem ouvir mudar o espaço
Sem me ouvir
Chamando a mim mesmo
A. Spínola
Um dia
De festas
Como o carnaval
E a micareta
Que me perdi no trio
Sem ouvi passar
O tempo
Sem ouvir mudar o espaço
Sem me ouvir
Chamando a mim mesmo
A. Spínola
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