domingo, 21 de dezembro de 2008

O sujeito, a fada, o marido (ou o amante), o uirapuru, o menino, a fulana, as parcas e a feiticeira.

Vinte e três e quinze. Estamos em pleno inverno. A situação em torno de cada barraca que configura a feira está sob controle: lonas pretas, azuis, amarelas, tornaram-se apenas lonas escuras. Não conseguimos mais identificar as pessoas. Apenas vultos, ‘fantasmas’, movimentam-se debaixo dos chapéus. Um barulho de vidro se despedaçando quebra o silêncio da noite e revela um copo de cachaça no chão. De certo algum bêbado... Talvez um feirante, ou um vaqueiro, (quem sabe?) que se esqueceu da hora de ir para casa! Estava apegado com a vida pós-feira: ‘foia podre’, aboios, causos, e fadas! Hahahahaha! Fadas! Mulheres que sempre sabem como e a quem encantar! Encantou o sujeito desta noite. Fez com que ele se esquecesse do tempo, do cavalo, da casa, não da feira! Dela, mulher da feira! Fada! Encantadora. E que decote! Que quadril, que forró! Hummmm! Que momento para ver-se na hora de ir! Novo barulho de vidro quebrando, outro copo que caia – agora seguido de um grito e de uma correria! Não mais eram (apenas) as mãos de um bêbado que soltara um copo. Era um copo que caia por estar nas mãos de uma briga! Mãos que soltara um copo para segurar um facão! Enquanto do outro lado, uma faca tipo ‘peixeira’, 14 polegadas, cada vez mais era apertada pelo marido da fada! Ah! Esqueci de dizer que aqui perto da feira algumas fadas têm marido, ou amantes oficiais que se julgam no direito de tê-las quando quiserem e com exclusividade! Enquanto acontecia a disputa pela fada, esta se agarrava à cintura do seu escolhido naquele momento. No fundo sentia-se satisfeita por ser o motivo da luta entre faca e facão. Notava-se entre seus momentos de tensão um sorriso, uma mistura de vulgaridade e preciosidade! A faca passara perto do peito e o facão cruzara a linha do abdômen. Tripas caiam e o ex-dono aterrorizado tentava segurá-las! O sujeito da feira fugia e livrava-se da sua fada! Afastava as suas mãos e montava no cavalo misturando mais ainda à noite. Ele agora era somente um tropel. Um cavalgar que amenizava e desaparecia. Pena. Para o ex-dono. O sujeito do cavalo que desaparecera, cavalgava e por certo só pararia quando encontrasse um coito, um esconderijo, uma acolhida segura. Teria ido para casa?
Às vezes, nos dias de feira, acontecem problemas como este em plena luz do dia. O sol e algumas nuvens que teimam passar como se estivessem numa passarela para nuvens, tentando mostrar como seriam as próximas dos próximos invernos, ou como seriam as próximas nuvens das trovoadas que eram esperadas por todos os homens, mulheres e crianças que compunham a feira, eram as testemunhas de um crime. De mais um crime que acontecia. Não por uma disputa por fada, mas por um jogo, por um baralho que só roubava a uns, não aos outros; por dados mágicos que encantavam somente alguns olhos, não os outros. Ou por outros tipos de magia: acusações de roubos que nunca acontecera (fora outra pessoa!); lobisomens nas casas de farinha que assustavam mulheres e crianças e parecia ser um dos homens da feira; brincadeiras sobre burros, bodes, jegues, brigas de galo... Mas sempre motivos de uma boa discussão, ou de uma briga. Ainda noutro momento o movimento da feira assemelhava-se a uma serpente. Boiadas que cruzavam as ruas da feira, tropa que era puxada e atraiam olhares, vai-e-vem de vendedores de galinhas, ovos, caça moqueadas e de fadas! Também de crianças que brincavam de gude, pião e de futebol num campo pra lá de improvisado, onde carcaças de bois eram usadas como balizas de gol. A serpente caminhava, e pedaços da feira, ora uns mais que outros, pegavam fogo! Literalmente assados de carnes de boi, de carneiro, de bodes, ou frigideiras que cozinhavam mocotós, fatos, ou maxixes e quiabos, eram arrumados sobre fogões pré-históricos, as fogueiras, que eram mantidas acesas por mulheres rezadeiras, bruxas mantidas vivas nos tempos modernos, que receitavam banhas de carneiro para curar reumatismos, rezas para afastar mal-olhados, chás diversos para tosses, dores pelo corpo e sensações de enjôos. Quando o caso era mais delicado, aí só se tinha um jeito! Uma garrafada feita com a mistura de diversas ervas, e a banha do peixe-elétrico, trazida lá de um mundo bem distante! Não se teria mais problemas! Ainda tinham as receitas para aqueles casos de... hum... bem...fraquezas sexuais, digamos assim. Gemadas, catuabas, amendoim, ovos de codorna, mel, e... caldo de mocotó! Sim o mais perfeito, o mais eficaz já produzido para combater tal situação... errr... vexatória! Não havia um só registro de um sujeito que precisando, tomou o caldo e não teve seu problema resolvido. Teve até um daqueles considerados im-pos-sí-veis, que apenas foi acrescentado ao seu estado de necessidade, ovos de codornas. Foi uma apelação! Ovos de codorna e caldo de mocotó! Levantava por vinte e quatro horas o sujeito. E deixava qualquer fada ciente e satisfeita da sua escolha. Claro. Também quem duvidaria de uma mistura dessa? Teve até o caso de um rapaz que, vindo das bandas da praia, demorou de se engraçar pros lados da fadas! E era encanto prá lá, encanto prá cá... e nada! O sujeitinho não se abalava. Vai ver era porque tinha se acostumado a ver tantas dançarinas de forró nas praias, que ali as fadas não estavam conseguindo o ponto de aproximação.
Dona de uma barraca que vendia frigideiras e outras coisas mais, Fulana resolveu pegar de jeito o rapazote: convidou-o para tomar um caldo, misturado a uma cerveja e pequenas porções de ovos de codorna. O camarada começou a ficar sem jeito já que não conseguia controlar mais a situação. Estava pegando nos trinco, e as fadas... Ah! as fadas... pareciam cada vez mais deliciosas... agora era só aquela acertar o encanto e... pronto! Mais um freguês que sairia satisfeito e mais um marido ou amante-tirado-a-dono, que se dava mal... Reclamar do quê? Com quem? Somente uma solução: Faca versus facão. Facão versus peixeira. Porrete versus ferro de pendurar carne de boi – aquele que tanto se vê nos açougues, segurando quartos e mais quartos inteiros de uma vaca ou de um boi. E aí... sol e nuvens como testemunhas. Se fosse noite, lua e candeeiros acesos que sempre revelavam sombras poderiam testemunhar. Talvez uma estrela que passasse prestando atenção às coisas da Terra. Se não... mais um tropel de burros, ou de cavalos, sumiria se misturando à noite, a escuridão. Apenas mais um bucho furado esperando ser costurado, se houvesse tempo, ou transformando-se num pedaço de cadáver.
Os cavalos e burros e jegues, animais que também esperavam pelo pós-feira, eram animais sabidos. Encostavam-se numa árvore ou perambulavam pelas ruas da feira, quando conseguiam se soltar, e danavam a comer de tudo que encontravam. Mas sabiam que assim que fossem chamados para a volta – fosse ela sob calma, sob vexame ou sob gritos estridentes de confusão que havia – eles sempre saberiam o que fazer. Se tivessem com um bêbado no lombo, calmamente tomariam o caminho de casa e lá chegariam; Se tivessem com um necessitado de fuga, o puxar das rédeas revelaria uma pressa e o galope sairia com tanta naturalidade que faria confirmar o conhecimento que estes animais possuíam sobre a vida dos seus vaqueiros-donos: mais um ganhava estrada... mais um fugia e deixava para trás um rastro de sangue que nenhum destino conseguia apagar, rastro tecido a renda. Nós, de parcas que previam o acontecimento e tomavam partido, poupando a vida do fujão, aquele que fora escolhido há poucos instantes pela mulher-fada. No outro dia, todos teriam do que falar, ainda que fosse proibido revelar abertamente qual o partido, qual a versão que lhes parecia mais precisa, a mais próxima de uma verdade. Contariam casos. Sob luzes fracas de fifós, apenas contariam casos; revelariam detalhes que nem as parcas teceram. Movimentos de armas, de rédeas, de pulos, de cavalgadas e arremates finais, que apenas seus filhos e netos, ouvintes, ficariam sabendo. E um dia passariam para seus descendentes. E aquela noite pós-feira seria tornada mágica para aquele grupo, por aquele grupo que contava casos sob as luzes dos fifós.
Numa destas ocasiões, compadres e amigos, todos da parentalha, participariam da roda de caso. Avôs, netos, pais, filhos, compadres, afilhados, tios, sobrinhos, amigos... Todos os presentes, todos os ouvintes, todos contadores de detalhes dos casos. E eram tantos detalhes que, às vezes, uns casos se misturavam a outros, umas noites se misturavam a uns dias e ninguém mais, absolutamente ninguém mais, poderia recompor aquela história, se não estivesse ali, se não estivesse sob aquela luz, sob aquelas vozes, bebendo daquela cachaça, enquanto lançavam olhares para os céus, enquanto lançavam olhares para o mato, enquanto acendiam seus bodes e davam deliciosas baforadas ao vento, como se estivessem participando de um ritual sagrado, onde cada movimento fora estudado nos mínimos detalhes; cada movimento revelava o sujeito e sua participação na hierarquia daquele grupo. Às vezes, o grupo contava até com quem fora escolhido pelas fadas, ou quem fora marido traído, ou amante num dia de crimes, bucho furado, mas poupado da morte. E, quando este falava, quando contava a sua versão sobre o ocorrido, tudo à sua volta era silêncio total. Parecia que a magia do lugar, do ritual, transformava-o num uirapurú e todos precisavam apenas ouví-lo: saber do sujeito encantado, ou traído, como se dera o ocorrido, como tudo se sucedera. E ele ia revelar agora, naquele momento, para todos os presentes. Amém! Ninguém mais saberia.
Claro que o sujeito-uirapurú omitiria alguns detalhes do caso. Se fosse ele o encantado, o furador de bucho, jamais revelaria qual o compadre lhe dera acolhida naquela noite. Não poderia fazer isto. Apenas o compadre, um dia, sob outras luzes, sob outros candeeiros, poderia ritualizar o acontecido. Poderia dizer, enquanto acendia, enquanto fabricava mais um bode, detalhes do que ocorrera naquela noite pós-feira. O sujeito-uirapurú daquele momento seria o compadre da acolhida. Ele, que fora acolhido, jamais poderia revelar sobre seu compadre. Mas poderia dizer sobre o galope, sobre sua mágica mistura à noite e seu desaparecimento! Poderia dizer sobre seu facão, ou peixeira. Poderia revelar sobre gancho de carne, guardado como trunfo. Poderia falar sobre seus caminhos e sobre sua fada! Também somente ele falaria. Somente ele poderia ser dono de uma verdade naquele momento. Ninguém o desafiaria. Nem uma criança, menino-homem que ouvia o caso e poderia, na sua inocência, perguntar-lhe sobre algo que não escapara da mente brilhante de todos os meninos! Não, não poderia! Aprendera que o uirapurú poderia e deveria ser apenas ouvido. Ele já sabia disto. O destino lhe informara que, sendo sujeito daquele grupo, participante daquele ritual, estas perguntas que passavam na sua cabeça não poderiam de jeito algum, ser formuladas, interrompendo o sujeito-uirapurú. Ainda bem que aprendera, se não, poderia ser chamado para sair da roda do caso, da roda que insistia em revelar como seria a vida. Como poderia um dia começar, ou terminar a sua vida de adulto. Fadas chamar-no-iam para a iniciação (haviam percebido que já era hora). Por enquanto, menino, cala a boca! Apenas escuta, inspira-se, conversa contigo mesmo e com as estrelas do céu. Ninguém mais pode te ouvir, ninguém mais poderá aproxirmar-se ou ler ou seus pensamentos. Ou entrega seu destino aos oráculos do teu mundo, feiticeiras- caboclas, que rezam, dançam e fazem alguns ‘trabaios’. Só isso. E a revelação pode não te agradar. Cala, então.
Ainda ortodia, um fio de cumpade Miguel fez comentário sobre uns casos ouvidos numa roda. Pronto. Bastou! Era só isso que faltava. Imediatamente deu uma tremedeira no corpo... Começou a rodar que nem peru, cuspia fogo pela boca, rosnava, xingava a mãe, o pai... Pobre do compadre Miguel! Até que chamaram o Padre Frisco, que veio do estrangeiro, e fez uma reza daquelas brabíssimas e afastou a maldição! O menino saiu como se nada tivesse acontecido e esquecidinho de tudo! Nunca mais tocou no assunto da roda do uirapurú, nem foi permitido participar das rodas à noite nas beiras das fogueiras, ou sob as luzes do fifó.
Numa noite de lua cheia, daquelas em que se fala de lobisomens e outros seres misteriosos que povoam as cabeças dos moradores da região, um grupo da comunidade saía para pescar quando foi informado da presença do bicho-da-maré lá pras bandas da curva do rio, perto das jabuticabeiras, encostado no cercado dos pés de goiabas. Estava ferocíssimo e já havia rasgado três redes de pescadores que pensaram em fisgá-lo. Iludidos. Pobres pescadores. Para pescar um bicho destes, ou pelo menos afastá-lo da comunidade, era preciso um homem mais conhecedor das magias da localidade. Das manhas e artimanhas do berço do rio... E o Senhor da Canoa estava pronto: Ia pegar o barco, suas redes mágicas, seu facão – não poderia esquecer-se do facão. Sempre ajudava-o nos momentos mais difíceis. Diante da onça, diante da assombração, diante da serpente venenosa da caverna sem fundo... Onde estava o Senhor da Canoa, estava o facão. E o bicho-da-maré sairia dali de qualquer maneira! O velho remava devagar... Também fumava seu bode e remava como se estivesse no meio da Via-Láctea, no meio das estrelas... Não deixava marcas por onde passava. Ninguém que não o visse, saberia que passou por ali. Largou o bode ao se aproximar da curva... Puxou a rede e começou a alisá-la. Parecia conversar com os fios... Com os nós... Parecia conhecer cada pedaço que se unia ao outro, e poderia passar por louco, ora! Conversar com uma rede?!? Quem faria isso? Na verdade, não era uma conversa... Não. Talvez não tivéssemos olhado direito. Ele de forma alguma estaria conversando com a rede. Estava rezando-a, estava benzendo-a! Precisava de uma reza, de uma oração para enfrentar tamanho adversário. Não poderia ser apenas com uma rede daquelas que se pegaria o bicho-da-maré . Daquelas se pegava traíra! Peixe pequeno. Um monstro precisaria de muito mais!!! Então tá. Era na entrada da curva. Já dava para ouvir os movimentos do bicho, sua respiração quando subia à superfície e se parecia com um baita peixe estranho! Precisava jogar a rede e acertar de primeira. Não poderia errar. Faltava pouco... era só esperar o bicho subir. Faltava pouquíssimo. Pronto. Lá vinha ele. Parecia vir com muita velocidade. Parecia saber que algo lhe esperava. Subia aterrorizantemente. Mal tocou a superfície e a rede foi lançada. Parecia ter vida. Saia das mãos do Senhor e parecia ganhar personalidade. Primeiro era só um bolo, agora ia se metamorfoseando. Lembrava uma borboleta... Agora uma arraia, um morcego gigante, um cogumelo que caía... pronto! Bem na fronte do bicho-da-maré ! Acabaria ali os temores da comunidade, o medo dos meninos que iam banhar-se no rio, o pavor dos sonhos à madrugada... Acabariam muitos sofrimentos de famílias que não viram seus filhos voltarem depois de uma pescaria. Era só esperar que a rede mágica, enfeitiçada pelo Senhor fizesse a sua parte. Enquanto isso ele suava. Apenas isto demonstrava que era humano, demasiado humano. Apenas este suor que lhe escorria pelo rosto, em plena noite de lua, fazia saber quem era aquele Senhor das águas. Não esperava nada mais. Apenas o destino da rede. Veio a surpresa. O monstro rasgara a rede. Rasgara a rede, as rezas, as magias, e dirigia-se para aquela canoa de onde havia partido o arremesso. Só não sabia o animal que este movimento era esperado. A rede fizera sim a sua parte. Tocara-o. Fizera-o menos invencível, menos inatingível pelo mais temível dos golpes do Senhor da Canoa, que nunca abandonara seu destino: Da sua mão direita partira o facão numa velocidade estonteante. Partira e rasgara a sua pele, o seu couro, a sua vida... Partira o bicho-da-maré e uma corda era o que precisava para arrastá-lo até a canoa e levá-lo até a comunidade. Daria carne para muitos dias, para várias pessoas. E poderiam preparar seus barcos, suas próximas partidas, suas pescarias, pois dispunham do alimento. Festejariam. Bebida, fogueira, rodas de conversa, casos, e peixe frito. Aliás, bicho-da-maré frito. E risadas, desejos, encantos meninos, e fadas! Que esperariam o momento certo para mais uma investida. Quem seria acertado pelos seus encantos? (...)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Natureza humana

Somos seres encantados
E viramos serpentes
A nossa missão?
Como se não soubesses
Armar-nos
E
Com os dentes


Augusto Spínola Jr

Gente da feira - perfil

...Foi quando
Vindo da Feira de Santana
Desceu
Na rodoviária
Vestido com jaleco e
Chapéu de couro

Não usava
Mais
Bocapio
Mas
Um alforje
De caçador
Igual ao de
Zé Ramalho
Não vinha
Fugindo da seca
De Graciliano Ramos
Mas para ensinar
E
Aprender histórias
Sina de vaqueiro
Sina de tropeiro
Que vive
Comercializando
Palavras.


Augusto Spínola

sábado, 6 de dezembro de 2008

Ódio

.
.
.
.
.
.
.
.
.
.

...Perdi o controle.

Augusto Spínola

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Miscigenação

No
Brasil
O tempo
Passa em
Branco
Em preto
Em pardo e
Em índio.

Há pouco, em amarelo.

Augusto Spínola

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Andando pela Feira

Passeei pela Feira
Fui até o mercado
Barracas de roupas
De relógio
Até de sapatos
Substituem
Cheiro de frutas
Ainda bem que encontrei
Um carrinho
De mão
Cheio de Tangerinas...


Augusto Spínola

domingo, 2 de novembro de 2008

Feira de Santana

Uma feira
2ª: feira
3ª: feira
4ª:feira
5ª: feira
6ª: feira
Final de semana
Sábado : Feira no Centro de Abastecimento
Domingo: Missa na Matriz
Outra Feira
2ª: feira
...


Augusto Spínola Jr.

Estilo da Lua

Veio então
A lua
Numa produção
De cinema
Vestida?
Não
Cheia de si...






Augusto Spínola Jr.

Diaxo de povo

Diaxo de
Povo!
Vive
Com
Sorriso
Solto
Alegria
Em pessoa
Que
Nem
Malandro
Após aplicar
Um golpe
Sorte
Pura sorte
Malícia
Pura malícia
Um dia
Compro um sorriso
Destes
Enorme
E vivo de lamber
Os beiços.

Augusto Spínola

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Colégio Santanópolis e Lucas da Feira

Estudar a literatura de folheto é aproximar-se de um mundo onde se confunde palavra escrita e palavra falada. Fui apresentado à Literatura de Cordel na década de 1970. Uma irmã lia durante as tardes, títulos como: “A filha que xingou a mãe e virou cavala”; “Os cabras de Lampião”; “A peleja do cego Aderaldo com o Zé Pretinho”. Nessas tardes éramos obrigados a ir descansar, por ordem do meu pai. Um castigo que sofríamos por algo que tivéssemos feito, talvez por algo que viéssemos a fazer.
De qualquer maneira, nos restava como consolo saber que dormir depois do almoço era herança de avós e bisavós, que continuava sertão adentro lá pelas nossas bandas, na pequena vila de Pé de Serra, no nordeste da Bahia. O costume viera da Europa, com portugueses espanhóis e italianos e foi nos atingir lá, num micro mundo brasileiro de tão poucas pessoas, que chegávamos a nos (re) conhecer pelo assobio que ouvíamos nos longos silêncios das tardes. Silêncio quebrado por passos nas ruas, gritos, cantos de pássaros, aboios – registrando a passagem de mais uma boiada – ou choros, sinal de castigos por alguma desobediência.
Ainda na década de 1970, vim morar em Feira de Santana. Que cidade enorme! Vim para estudar no Colégio Santanópolis, que se acreditava ser o melhor da cidade. Ainda não havia sido apresentado, pelos professores da escola, à Área de Ciências Humanas, mas ouvia as histórias dos cordéis e casos que faziam parte das conversas das noites lá na roça, quando os mais velhos falavam sobre enchentes, chacinas e assombrações que não me deixavam dormir direito.
No colégio Santanópolis, atraente era o laboratório de química, que, além de cheio de tubos, chamava a nossa atenção por possuir um feto de três meses, o que, além da aula, nos fazia pensar sobre sermos cientistas. Nos dias de sábados e segundas, a feira armada na Avenida Getúlio Vargas, prendia a atenção de todos. Em frente ao colégio, o que se comercializava eram os cordéis, da mesma forma como encontramos nas referências sobre suas origens: um barbante com livretos pendurados e rumas amontoadas sobre um plástico! Os vendedores liam muitas histórias para despertar a curiosidade e estimular a venda dos folhetos. Eu assistia as narrativas como um espectador, ouvindo-as ao mesmo tempo em que aconteciam aulas de Matemática, de Português, de Geometria, ou História. Aquela aula que, no colégio, desconhecia ou desprezava as histórias narradas e conhecidas do lado de fora. Mas era necessário entrar e cumprir o ritual: escola, aula, colegas, professores e perguntas. Na minha cabeça, uma inquietação: o que acontecera à princesa que estava para ser devorada pelo dragão? Como terminaria a história deste folheto?
Naquele período não fazia a menor idéia dos estudos sobre tradição, oralidade, história, cultura e história social que aconteciam mundo afora e de que eu fazia parte, daquele meu jeito, sujeito, “fazedor de história”, ouvindo casos sobre pactos com o demônio, sobre pedras preciosas, sobre escravos, bandidos, cangaceiros, veiculados pelos folhetos de cordel. Quanta diferença da história produzida e ensinada na sala de aula, daquela que vivenciava como fazedor de história, menino da roça, de infância vivida entre serras do sertão e entre “pilhas” de gente da Feira de Santana.
Mas a década de 1970 se foi e quase me separou do cordel. Talvez o que ainda me mantivesse preso a esse tipo de literatura, tão presa a tradições orais, fossem os casos, as conversas na frente da casa à noitinha. Destes não me separei.
Não me separei dos casos da roça, nem da vontade de falar sobre aquele mundo que se preparava de terça-feira a domingo, para ir à Feira, no dia de segunda. Na verdade, o principal meio de transporte, um pau-de-arara – (denominação muito usada no interior do Nordeste, quando nos referíamos aos caminhões que transportavam pessoas de um lugar para outro, pelo fato dos viajantes, “araras”, se sentarem em tábuas que atravessavam a carroceria do caminhão, daí o termo, pau-de-arara.) - partia domingo à tarde e chegava à noite.
Para passar o tempo, contávamos os jegues que víamos nas margens da estrada. Meu avô – de quem trago enormes lembranças e muitas lições sobre tropas, agricultura e lojas, (ainda que tenha morrido quando eu tinha onze anos), era comerciante e negociava ouro com os poderosos da Feira de Santana. Enquanto criança, ouvia seus casos de viagens a cavalo, trazendo ouro ou gado, em percursos de três ou quatro dias, da roça para Feira de Santana. Quem sabe foi nesse percurso, quando ouvia casos sobre Lucas da Feira, que tive despertada, ainda em criança, a vontade de buscar conhecer aquele que assaltava os boiadeiros[1], os negociantes de fumo e de ouro, que viajavam pelas estradas de Feira.
Mais tarde, na Universidade Estadual de Feira de Santana, surgiu a possibilidade de lidar com esta produção cultural. Eis-me historiador, no papel de transformar em produção científica, os casos ouvidos, que revelavam uma significativa parte da cultura daquela comunidade.
É certo que este texto, ou melhor, a idéia para esta produção, é fruto dessas rodas de casos, nas quais eu ouvia com atenção o que se falava sobre Lucas. Cada caso, cada memória, revelavam um novo sujeito. Não eram novas memórias sobre Lucas, mas novos Lucas que surgiam após cada episódio, após cada caso contado...
[1] POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. [Tradução Arquimedes Pereira Guimarães]. Salvador: Itapuã, 1968. 328 p. (Baiana).

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O sonho

Um sorriso amanheceu no canto da boca
Feito sorriso de menino endiabrado
Com cara sempre de quem aprontou algumas

Sorriso vindo de pensamento bobo
De visões excitantes, de saudades
De fogueiras acesas em noites de lua

Vai ver menino
Teve um sonho com uma bruxa de Avalon
De outros tempos e História

E lá andava no meio do mato
No meio das brumas, ciente de não ser conhecido
Senão pelos sonhos da floresta

Por isso o sorriso no canto da boca
Se fosse no Brasil diria que parecia o curupira
Encostado no troco da árvore pitando

Resmungando palavras que seriam sempre suas
Xingamentos
Por não saber conquistar a lua

Coisas de menino ...
Augusto Spínola Jr.

domingo, 5 de outubro de 2008

Absurdo

Meus pensamentos
Sempre
Conseguiram
Superar
As manchetes de jornais:
Muito mais absurdos!


Augusto Spínola

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Estrelas são flores

Estrelas são flores
À noite, enquanto colho estrelas,
Encho minhas mãos de flores.
Mas a minha boca continua seca...


Estrelas são flores
Ao nascer do dia,
Enquanto me deixo atravessar
Pelo vento e raios do sol
Conto estrelas
E tenho
Para além da boca seca
Desvairados pensamentos



Estrelas são flores
Ao meio dia
Enquanto mato minha fome
Descubro não ter mais
Sua vã filosofia


Estrelas são flores
E decido-me a contá-las
Sem medo dos calos nas mãos
Ou das verrugas espalhadas pelo corpo

Estrelas são flores
E brilham
Dão luz
Espalham luz
E cor
Nascem e morrem
Sempre por meio de explosões

Estrelas, flores e explosões
Lenda...
Perigo!
Uma nau se aproxima do céu
Navego tão perto do seu corpo
Da sua luz e brilho
Até que
Decido partir
A tarde se foi
E milhares de estrelas saem
Para mim
Atordoado cedo e
Volto a colher flores na Terra
Com a boca seca...
E um fardo
De saudades...

AUGUSTO SPÍNOLA

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A feira livre

Preso na sala
no centro da feira...
Ah! Se fosse 1977
ainda encontraria
Barracas montadas na Getúlio
Vendendo caças
muqueadas
Cachaça curadas
e ovos de galinha
de quintal
Se fosse 1977
Encontraria bancas de cordel
e tantas melancias abertas
Prontas para mostrar o sabor
da terra
Se encontrasse a feira livre
procuraria banha de carneiro
Para curar mãos
machucadas
com reumatismo
Talvez encontrasse o caminhão de
Dinho Gaspar
Rumando para Pé de Serra
Pertinho
Com sorte,
Seis horas depois...

Augusto Spínola Jr.

MUSEU DA FAMÍLIA: ENTRELACE LEITURA E MEMÓRIA

Augusto Monte Spínola Cardoso Júnior[1]
Fabíola Silva de Oliveira[2]

“Outro dia fui mostrar para o meu filho o que era uma máquina de escrever!”

Paulo César Vasconcelos, jornalista da ESPN Brasil, no dia 04 de Agosto de 2008, por volta das 23 horas e 15 minutos, no Programa Linha de Passe - Mesa Redonda – ESPN-Brasil.

Resumo

Esta atividade de construção do conhecimento da história familiar – o Museu da Família - é resultado de uma experiência leitora, que teve como um dos seus elementos de sustentação, a utilização de diversos tipos de documentos, que possibilitaram diversas formas de leitura como via de acesso ao conhecimento histórico. O Museu da Família se constitui como atividade permanente na disciplina de História, nas turmas de 5ª série, permitindo o processo interdisciplinar com outras áreas do conhecimento.
A atividade parte do pressuposto que todo ser humano é construtor histórico – social e se fortalece, a partir das relações fomentadas e construídas-reconstruídas, inicial e permanentemente na micro-célula social – a família instituição responsável pela formação das bases identitárias, que são guardadas e resgatadas pela/na memória. Nessa direção, conhecer a história dos seus familiares é tornar possível a compreensão da vida; é construir um processo de formação de identidade, cultivando a cultura e história de um povo, materializadas pela memória.

Abstract

This activity of construction of the knowledge of familiar history - the Museum of the Family - is resulted of a reading experience, who had as one of its elements of sustentation, the use of diverse types of documents, that make possible diverse forms of reading as way of access to the historical knowledge. The Museum of the Family if
constitutes as permanent activity in disciplines of History, in the groups of 5ª series, allowing the process to interdisciplinar with other areas of the knowledge. The activity has left of the estimated one that all human being is historical constructor - social and if it fortifies, from the fomented relations and construct-reconstructed, initial and permanently in the social micron-cell - the family responsible institution for the formation of the identitárias bases, that are kept and rescued for they /em the memory. In this direction, to know the history of its familiar ones is to become possible the understanding of the life; it is to construct to a process of identity formation, cultivating the culture and history of a people, materialized for the memory.

Palavras-chave: história da família; museu da família; memória; documento; identidades.



Introdução


O Museu da Família, atividade desenvolvida no curso de História, junto a alunos da 5ª série do Ensino Fundamental, é resultado de uma experiência leitora que teve como um dos seus elementos de sustentação, a utilização de variados tipos de documentos. Esta característica quanto à documentação, por sua vez, possibilitou tantas outras formas de leitura como via de acesso ao conhecimento histórico do universo familiar.
O curso na 5ª série é uma iniciação aos estudos da Ciência História, com o propósito de favorecer a compreensão de qual é o objeto de estudo dessa ciência. Desenvolvemos com o projeto uma discussão sobre documentos utilizados pelo historiador para fazer as suas pesquisas e sobre o ofício do historiador.[3]

“Pude falar com minha mãe... Dizer o que aprendi nas aulas. Pude observar a reação da minha mãe, que lembrou da infância dela.” (Aubérico, 5ªA)

A experiência de estudar história e a memória através do Museu da Família se constitui como uma atividade permanente, permitindo o processo interdisciplinar com outras áreas do conhecimento. Aprender sobre histórias é construir-se leitor do mundo,
do contexto que o cerca e que caracteriza o fato. É sabiamente aprender a ser senhor dos tempos. É aprender a andar na rua, pegar ônibus e a conhecer a cidade; é aprender a andar pela caatinga, pegar atalhos e a conhecer cada palmo do chão onde se faz e atua. Aqui, muito do estudo histórico encontra-se entrelaçado com imagem, literatura, física, lingüística e memória.
Compreendendo que estudar História é apropriar-se da construção da vida da humanidade e construir-se atuando como cidadão, instigamos os alunos à construção de um Museu, composto com documentos que revelariam a história das suas respectivas famílias. Partiriam para uma coleta/seleção dos documentos e em seguida, fariam uma entrevista com os familiares para obterem informações sobre o documento escolhido. Favorecer-se-ia uma análise quanto à dimensão da história de cada um, sobre nossas vidas em suas manifestações mais cotidianas, dirigindo-se um olhar investigativo e crío: conhecendo sobre nossas vidas, dirigindo o nosso olhar crtico possibilitado pela leitura dos documentos que carregam muitas vezes, uma série de informações sobre as estruturas familiares: sobre sua religiosidade, sobre as formas de diversão, o legado cultural, sobre a educação, sobre as profissões vivenciadas, as origens familiares, as viagens, sobre formas de pensar e ver o mundo. Documentos que certamente possibilitam tantas diferenças, entre as histórias das famílias de cada um.

Desenvolvimento
Os estudantes de História na 5ª série aprendem sobre seus pais avós, bisavós. Os resultados apontam para além de um olhar diferenciado diante da leitura dos objetos
recolhidos, um fortalecimento dos laços afetivos entre os familiares quando no momento da entrevista - são instigados sentimentos, desejos e sensações muitas vezes esquecidas ou guardadas, e para a ampliação do leque de conhecimento sobre o estudo da História enquanto disciplina escolar. O entendimento da importância do ato de pesquisar e de ser pesquisador é salientado junto a uma compreensão da história familiar para a construção da história social.
Aqui, através da experiência, um texto originado das informações colhidas na família, se volta para esta, transformado noutro texto! Num primeiro momento são famílias contando histórias para outras, são familiares contando histórias para seus descendentes.
Em seguida, são todos estes contadores de histórias ouvindo, vendo seus netos e filhos se posicionarem com novas versões sobre os fatos/documentos estudados, de forma nova, com motivações e razões próprias, fruto do estudo da importância de ser historiador, realizados pelos alunos, não tanto por seus pais, avós, bisavós...
A atividade parte do pressuposto que todo ser humano é construtor histórico – social e se fortalece, a partir das relações fomentadas e construídas-reconstruídas, inicial e permanentemente na micro-célula social – a família. Esta instituição é responsável pela formação das bases identitárias, que são guardadas e resgatadas pela/na memória.
Nessa direção, compreendemos que conhecer a história dos seus avós, bisavós, tios, padrinhos, pais, ou de outros familiares, por meio da leitura de fotografias, de objetos e utensílios domésticos, brinquedos, coleções de moedas, coleções de selos, instrumentos musicais, louças, vestes, receitas culinárias, selas, estribos, espadas, poemas, canções de ninar, cartas de amor, cadernos escolares, cartas pessoais e outros registros escritos que fizeram e fazem parte do acervo familiar, é tornar possível a própria compreensão da jornada da vida familiar; é construir um processo de formação de identidade, cultivando a cultura e história de um povo, materializadas pela memória.
Mas como fazer estes documentos falarem? Como ou o que ouvir dos seus gritos, dos seus silêncios, das suas histórias? Afinal, como ser historiador?[4]
Partimos para novas discussões em sala de aula, mas principalmente nos voltamos para as longas conversas com nossos familiares, donos das preciosidades.
O que era aquele documento?

“Tinha documento que eu não sabia que existia!” (Regina, 5ªB)

De quando era?

“Não sabia que o baú que trouxe era do meu tataravô” (Eliane 5ªB)

Qual o material utilizado para sua construção?
Em que contexto se inseria?

“Naquela época era moda ter uma vitrola” (Gabrielly, 5ªB)

Foi um presente de casamento, ou de aniversário? Uma lembrança do padrinho? Foram muitas perguntas e algumas respostas...

“Eu aprendi coisas que não sabia... a gente fica mais informada sobe a história da família” (Laize, 5ªB)

“Gostei de trazer o robô do meu pai. Ele ganhou quando tinha cinco anos. Podemos comparar robô velho com robô novinho!” (Gabriela Chaves, 5ªA)

“Eu nunca tinha visto o meu vestido de batizado.” (Beatriz, 5ªA)

Metodologicamente, a atividade é desenvolvida por meio de pesquisa participante, utilizando:
1. A coleta de dados (entrevista junto à família, e coleta dos possíveis documentos da história de cada família);
2. Leitura e produção de textos sobre a história de cada documento coletado e
3. Exposição do museu para a comunidade escolar e familiar.
A seguir, os aspectos teóricos-metodologicos que favoreceram a construção do Museu da Família:
I Aspecto teórico metodológico do estudo
*Discussões provocadoras
1.O que é história
2. Quando e onde acontecem os fatos
3.O que é um museu
II A historia da família
1. Os meus avós, pais, tios padrinhos – origens: onde viveram, brincadeiras de crianças, profissão...
III Os documentos que foram investigados:
1. Qual o tipo de documento
2. Qual a idade?
3. Que história ele me conta?
4. De que maneira revela a época vivida por meu parente?
IV O estudo quanto aos aspectos metodológicos e avaliativos
1. Quanto às aulas
a) 1ª fase – coleta de documentos – 09 aulas
b) 2ª fase – seleção de documentos para serem estudados na escola;
c) 3ª fase - catalogação (de quem é o documento, de onde veio, qual sua historia...); construção de textos e exposição – 03 aulas.
d) 4ª fase – exposição por três dias na escola.
2. Avaliação:
Será uma avaliação como tantas outras que resultam numa nota final (máximo de 3,0 pontos); serão usados como critérios de avaliação:
a) A discussão sobre a ciência História - grau de maturidade do discurso, compreensão sobre conceitos e termos próprios da ciência;
b) A discussão sobre o que é museu;
c) A seleção e catalogação de documentos para o museu;
d) O envolvimento com a historia do documento (a investigação que vem sendo desenvolvida e demonstrada pelas discussões);
e) A montagem da exposição;
f) A produção do texto sobre a historia de cada documento (objeto) selecionado pelo aluno;
g) O cumprimento de cada atividade, no prazo estabelecido em sala de aula em acordo professor-aluno.
Os resultados apontam para a ampliação do leque de conhecimento sobre o estudo da História enquanto disciplina escolar e para o entendimento da importância do ato de pesquisar e de ser pesquisador que é salientado junto a uma compreensão da história familiar para a construção da história social.
Após discussões e leituras de textos em sala de aula, nos voltamos para seleção dos documentos que apresentamos no Museu da Família. Foi gratificante acompanhar a pesquisa saindo da sala de aula, indo ás casas dos alunos e retornou à classe, num processo de modificação das (novas) concepções sobre a História, antes composta de fatos históricos atribuídos a pessoas apontadas como mais importantes, muitas vezes de classes sociais mais favorecias e dominantes. Agora a História torna-se deles também,
todos os familiares, que se misturavam aos alunos num processo de recordação, de memórias, de depoimentos sobre as transformações por que passavam os filhos.

“Professor, no meu tempo isto não era História.” ( José, avô da 5ªA)
“Professor, pensei que estas cartas não iam servir para nada!”(Luciana, mãe da 5ª A)

Conclusão


A construção do Museu da Família com os alunos da 5ª série saiu dos muros da escola e chegou a vários espaços da cidade. A experiência foi muito bem recebida em outras escolas, e nas residências familiares, talvez o lugar de melhor acolhida. Vários pais e mães, avôs e avós entraram em contato com a escola e deixaram registros das suas visões acerca da atividade. Muitos reconheceram uma nova forma de se estudar História, como já foi registrado, comparando esta visão inicial, por uma história mais familiar, mais social, com aquela (ainda) ufana, patriótica, de personagens e vultos importantes, heróis[5], essencialmente masculinos dos seus momentos de estudos no “ginásio”. Em muitos momentos o espanto diante do documento exposto revelava um choque entre a História do aluno/a da 5ª série com aquela carregada por eles pais! “Uma sanfona pode ser um documento, professor” (Driele, mãe da 5ªA), ou” quanta riqueza percebi ter na minha casa!” (André, pai da 5ª C).
Diante de uma proposta de iniciação aos estudos da História logo nos primeiros momentos da vida escolar no Ensino Fundamental, acreditamos que pais e escola puderam acompanhar o desenrolar de estudos acercas de categorias próprias da ciência. Em outros depoimentos conceitos/conceituações sobre temporalidade, sobre documentos, um maior interesse para a atividade de pesquisa foi se desenvolvendo a cada momento, a cada atividade: “Não é o que é mais velho, é o que é mais importante para nossa família!” (Débora, 5ªA). Esta situação que mistura sala com casa de aula nos faz ver que não estamos mais diante de uma escola transmissora apenas de conhecimentos, mas de caráter mais investigativa, com maior diversidade de enfoque teórico-metodológico[6]. O estudo permitiu que, para além da apresentação do Museu para seus familiares, as crianças pudessem revelar para o professor, o que entendiam que fosse um museu, o que poderia constituir este espaço, algumas características dos documentos, e a importância de cada elemento exposto para a história de cada um.“ Não sabia que meu avô conhecia João Durval nem que ganhara este óculos de presente dele.” (Simeone, 5ªB)
Neste momento, o resultado da atividade de estudo da História, através das diversas leituras possibilitadas pelos documentos presentes no Museu da Família, reafirma, por um lado a (própria) historicidade da linguagem, quanto, por outro, a importância de uma iniciação científica cada vez mais de base.


Anexos A
Carta

Feira de Santana, 3 de Junho de 2004

Augusto, Professor de história de Júlia Caffé Oliveira Uzêda:
Por que tanta formalidade? Não, não é formalidade. È o desejo de deixar expresso a importância desse professor na vida de Júlia, aliás na sua história de vida. Até porque, agora você Augusto faz parte desse “museu da família”. Foi muito legal a experiência, a oportunidade, de resgatarmos elementos que fizeram parte do nosso dia-a-dia, e que de alguma forma deixaram lembranças boas, outras na tão boas...
Na verdade, o que ficou para todos nós que passamos e ajudamos Júlia conhecer um pouco da história da sua família (todos se envolveram), foi a certeza de que tudo em importância para nós, enquanto seres históricos. Eu não sabia que tínhamos tantos objetos “valiosos em casa”. Na medida em que procurávamos um objeto mais antigo, Júlia nos presenteava com uma frase peculiar das discussões de vocês lá na sala: “não precisa ser tão antigo mãe, basta fazer parte da história de nossa família e que vocês gostem muito.”
Então entendemos literalmente a necessidade de apresentar para Júlia tudo aquilo (ou quase tudo) que rodeava seus onze anos de vida e nossos... (bem não precisamos dizer as nossas idades, já fazemos parte de um Museu!) e que se tornaram tão significativos para a família “Caffé Oliveira Uzêda”.
Gostaríamos de agradecer a oportunidade e compartilhar tais questões com Júlia, e principalmente poder relembrar muitas coisas de um passado rico em lembranças maravilhosas. Valeu!
Desde já conte conosco para próximas experiências.
Júlia, André e Leomarcia.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Historia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História, ou, o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BOSI, Eclea. Memória e sociedade. Lembrança de velhos. S. Paulo: T. A Queiroz, 1979.

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

BURKE, Peter. (org.). A escrita da História; novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992.

CABRINI, Conceição Et alli. O ensino de história: revisão urgente. 5. ed. São Paulo, Brasiliense, 1994.

DAIRELL, Juarez. (org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GUSMÃO, Emery Marques. Memórias de quem ensina História; cultura e identidade docente. São Paulo: UNESP, 2004.

KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

NIKITIUK, Sônia Maria Leite. Repensando o ensino de História. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.
[1] Augusto M. S. Cardoso Jr. é professor de História do Ensino Fundamental no Colégio Gênesis, na rede pública e é Especialista em História da Bahia e em Educação.
E-mail: augustomonte@gmail.com
[2] Professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental do Colégio Gênesis (Feira de Santana/Ba). Especialista em Metodologia e Prática de Ensino de Língua Portuguesa. E-mail: fabiolasoliveira@hotmail.com
[3] BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História, ou, o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

[4] BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História, ou, o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

[5] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Historia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

[6] BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Feira livre

Existe uma necessidade de nos voltarmos para a compreensão das implicações das formas e imagens constituídas pelas feiras livres em Feira de Santana e a riqueza intrínseca presente, tanto nas memórias da população dos feirantes-comerciantes que constroem a feira, como da população freguesa que a compõe e dá vida ao comércio, e que o faz num movimento de compra e venda febril dos produtos oferecidos. Entendemos este como um estudo vinculado à memória e paisagens das feiras livres no centro da cidade de Feira de Santana.
Aqui se pretende compreendê-las na segunda metade da década de 1970, quando a feira constituía-se na Avenida Getúlio Vargas (com área de concentração maior nas proximidades da Avenida Senhor dos Passos, e ruas Marechal Deodoro e Sales Barbosa), até, num outro momento, os dias atuais, quando as feiras se desconstroem com a mesma facilidade com que foram construídas, por todo o centro da cidade. São ruas, becos e avenidas, portas de lojas, de agencias bancárias e praças, todos estes espaços tomados por barracas, tendas, esteiras, (até capôs de carros!) onde se organizam e re-organizam em movimentos constantes (que convém entendermos como a dinâmica da História)! Toda a feira que traz consigo um diversificado número de produtos e de memórias.
Encontram-se num mesmo espaço, constituindo uma mesma forma ou imagem, pessoas que vivem do comércio ambulante e que não se limitam a percorrer ruas e becos e tantos outros espaços de memórias; não apenas por opções de melhores negócios, mas muitas vezes por imposições de decisões políticas, de interesses específicos que modificaram outro desenho da feira ao longo da Avenida Getúlio Vargas. Mas decisões que não conseguiram impedir, e isto também nos interessa, as tantas outras construções de feiras, que variaram, desde a forma de um carrinho de mão com cestos ou não sobre eles, até a ocupação de calçadas inteiras das ruas, oferecendo, para além de produtos agrícolas como tomates, alfaces, coentros, batatas e beijus - realçando a visão multicolorida da feira - facas, espelhos, mata ratos, pastas milagrosas e ervas medicinais, tensões sociais, memórias, imagens, história.
A necessidade de incluir um estudo sobre a imagem e memória, diante da dinâmica da construção da (s) feira (s) livre (s) de Feira de Santana, suas relações com o espaço do centro da cidade, com a cultura e com o cotidiano nos remete a esta produção.
Partimos da constatação presente em boa parte dos estudos sobre a história da cidade: ela nasce de uma fazenda – um espaço rural – que vai se moldando povoado, depois vila, até alcançar a condição de espaço urbano mais definido, a cidade de 1873.
Tudo isso graças ao desenvolvimento comercial – as feiras de gado e a feira livre - que insiste em tê-la por perto, ou, mais que isso, que possibilitou esta transformação de fazenda em cidade.
Feira de Santana, segunda maior cidade do estado da Bahia, está situada numa zona de planície, entre Recôncavo e os tabuleiros do semi-árido nordestino. Atualmente ocupa uma área de 1.338,1 km, distante 108 km da capital, Salvador. Conta com um número expressivo de estabelecimentos comerciais, que oferecem desde produtos alimentícios, até artigos importados. O freguês (sim, o freguês – a cidade parece ser uma feira constituída!) pode facilmente encontrar farinha, feijão, aipim, tecidos, bijuterias, jóias, couro, selas e outros utensílios de montaria. Tantos produtos que um dia se encontraram misturados a aquele que pesquisadores da história local consideram o mais valoroso para o povoado, vila e cidade: o gado. Que se não chegou a tanto com se supõe, contribuiu decisivamente tanto para a imagem que vai se construir no espaço ocupado pela feira, como para a identificação da população com a figura do vaqueiro e de todo o estilo de vida que se constrói e por ele é construído: terra, gado, mata, esterco, música sanfonada, cantorias, cuscuz, aboios, ensopados e literatura de cordel. E olha que não registramos aqui nem uma décima parte da variedade dos artigos e do colorido que estão presentes numa feira – digo no comércio de Feira de Santana - com estas informações passadas.
Até onde vai o eterno armar-se da feira pela vida da cidade?