quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Fauna nordestinense

Tarde...
Início da terra
Por detrás
da ribanceira
o teiú
deslizava
no chão seco do riacho...
Da direção do
açúde
era observado
por
um bando
de mocós
por
bengos
e calangos multicoloridos
Um tantinho
de poeira
saia da
caminhada
do grande lagarto
passos lentos
firmes e
decididos
A língua
cumpria
sua
função-radar
informava sobre o
tempo
e sobre
a vizinhança
De dentro de um cisco
d'água
Uma siriema
cutucava o chão
em movimentos ligeiros
procurava
alimento e
levantava os olhos
na direção
do
sinal do lagarto

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

As feiras de Feira de Santana - 2013

As feiras de Feira de Santana
É fato que já sabemos muitas coisas a respeito da história de Feira de Santana.
Muitas coisas?
Qualquer iniciante no assunto logo conquistas preciosas informações sobre a fazenda Sannta Anna dos Olhos d’Água que, segundo a lenda, dará origem ao povoado de Santana da Feira.
Associa-se Feira de Santana a um passado remoto de certa atividade agrícola e de criação de gado, seguindo de um momento de feira livre, comércio de gado e passagem para vida urbana. Não sabemos dizer ao certo o que vai prevalecer na genética da cidade do final do século XIX até os dias atuais. Se, por uma raiz mais urbana, será a crescente atividade comercial – aumento do número de lojas de tecidos, de bares, de farmácias, de boutiques, de joalherias, de lojas de instrumentos musicais, de lojas de artigos importados – ou quase isso – ou a referência rural, aquela da feira livre, de negócios de gado, de compra e venda de peles, de mingaus, de beijús, de vendedor ambulante de frutas e verduras, de milho cozido, de literatura de cordel, de aboios, de reverências ao vaqueiro, ao tropeiro, ao cheiro de batata doce, de tripa, de fatada, de mocofato, de pirão de leite com carne do sol, de ovos fritos, de cuscuz e por aí vai...
Deveríamos começar a contar a história de Feira de Santana pela Expofeira. Lá do parque de exposição na BR-324. Ali se intensifica, ainda que uma vez ao ano, a negociação de boa parte daquilo que fora a feira do gado. A Expofeira é um momento novo do campo do gado. Aquele de um só dia para depois sumir, desaparecer. Uma cinderela do gado. Arruma-se, fica pronta e depois de uma semana, desaparece, deixando apenas um rastro dos negócios que realizou... Um cheiro do gado que esteve ali, um zumbido dos shows realizados... Um murmúrio de todo o povo que andou pela exposição agropecuária: povo que vendeu, que comprou, que montou, que se divertiu, que trabalhou... Ali seria um ponto no presente para uma partida em direção ao passado. Como tudo aquilo teria começado?
Saímos da Expofeira e paramos rapidamente no viaduto do 35º B.I. do Exército Brasileiro.  Está escrito: Portal do Sertão. Porta do sertão. Entrada para o sertão.  Significa: o clima vai mudar, a vegetação vai mudar, a brisa, a chuva ou chuvisco que nos acompanhavam vindos do litoral, da direção da capital, da baía famosa que deu nome ao estado, vai nos deixar a sós com um calor quase insuportável, com a fervura do sol da manhã e o inferno do sol da tarde. Cada passo dado na direção do norte significa ainda mais termos o sol como companheiro. Ter escassas nuvens passando por nós como deboche, como pirraça. Dificilmente se jogarão neste solo. Rumamos da entrada do sertão até chegarmos ao Feiraguai – hoje um centro comercial que engloba lojas de discos, de eletrodomésticos, de roupas, de perucas, de uma quantidade absurda de produto e mercadorias – e a Feira do Rato (espaço de compra e venda de veículos de todas as espécies, ainda daquela forma direta, comprador-vendedor, ou no máximo com um agilizador do negócio que ganha um percentual de cada lado e vai vivendo a vida). Até alguns anos atrás, ali fora a Estação Ferroviária de Feira de Santana  – da Cia. Chemins de Fer Federaux du L'Est Brésilien – inaugurada no dia dois de dezembro de 1876.  O trecho entre Cachoeira e Feira de Santana foi o primeiro trecho aberto pela E. F. Central da Bahia, no ano de 1876. Em 1942, com a remodelação geral das linhas da região, o trecho entre Conceição de Feira e Feira de Santana passou a ser um ramal, que foi extinto oficialmente em 16/05/1975, mas que não operava, pelo menos com passageiros, desde 1964. Da calçada da Igreja dava para ver o trem se aproximar, escutar seu apito, abraçar-se em despedida, ou esfregar as mãos em sinal de agonia, de expectativa por quem vai chegar. Com certeza, passageiros ilustres e importantes trabalhadores pegaram o trem e voltaram pros braços de familiares. Ou fizeram uma viagem de volta até Cachoeira. A estação era um espaço próximo a Igreja da Matriz ali bem ao lado da Praça padre Ovídio e da Santa Casa de Misericórdia.
Quando Feira de Santana vai serpenteando esta região, ela cresce na direção da Rua Conselheiro Franco – ladeada pela Rua Marechal Deodoro da Fonseca. Este espaço se torna nosso terceiro ponto de estudo. As duas deixam rapidamente de serem ruas residenciais para se transformarem em importantes centros comerciais da cidade. Lojas e galerias vão surgindo, entrecortadas por cafés e bares. Comércio de eletrodoméstico, de fazenda (aqui no sentido de tecido), de ervas, de panelas e outras quinquilharias. Era forte até porque caminhava em direção a bem frequentada feira livre da Avenida Getúlio Vargas.  Aqui fazemos duas importantes observações: a primeira sobre a feira livre. Esta feira é aquela muitas vezes apontada como responsável pelo desenvolvimento desta cidade. Crescia da altura do cruzamento da Rua J.J. Seabra com a Avenida Getúlio Vargas, até chegar a altura da Rua Conselheiro Franco, não sem antes cuspir pedaços de feira por toda Avenida Senhor dos Passos, Rua Marechal Deodoro, Sales Barbosa, tendo como ponto nervoso o mercado de carnes e farinha e a Praça da Bandeira. Os vaqueiros e agricultores chegavam em cavalos e/ou carroças e deixavam seus meios de transportes amarrados nesta praça. Pessoas que caminhavam freneticamente em várias direções, na certa procurando fumo, cachaça, gado, querosene, sal, ou fregueses para suas mercadorias. Esta feira existiu até o ano de 1977.
Nesta ocasião chega o momento da feira livre ser transferida  para o Centro de Abastecimento (quarta parada de estudos), perto do Tanque da Nação, atrás da Santa Casa, numa tentativa de tirá-la do centro da cidade. Mas o Beco do Mocó e a Rua Marechal - e toda a calçada desta rua - se incumbiram de dizer que a feira não sairia assim. Se fora desmontada, tirada à força da Avenida Getúlio Vargas e Praça da Bandeira, das imediações da esquina com a Avenida Senhor dos Passos, ela se montaria sobre pedaços de panos organizados nos passeios das ruas, sobre cavaletes estruturados nos becos da Rua Marechal, no meio do Beco do Mocó, no Beco da Energia, até chegar de volta a rua (como muitas vezes nos referimos ao centro das cidade). Fazendo com que a urbis trave ali, principalmente nas segundas-feiras, antigo dia da exposição da feira livre. O povo não cedeu ao fato de ser empurrado para o Centro de Abastecimento e empurrou a feira livre de volta para o centro da cidade. Até se juntar ao Mercado de Artes, hoje centro de comércio artesanal, antigo mercado de carnes e farinhas. Só que agora a feira veio pelo outro lado, vinda da Praça do Lambe Lambe na Avenida Senhor dos Passos. Neste praça alcançou metade da rua, espremendo carros e gente que disputam os poucos espaços entre barracas de goiabas, de mamão, de laranja e tangerina, barracas de farinha de goma, e de beijús, de quiabo, maxixe e acerola. Muito para se pesquisar nesta área. Falar da Praça do Lambe Lambe e dos seus condenados trabalhadores. Dos fotógrafos que desafiam o tempo e resistem, fazendo retratos em três por quatro, como se fossem a única solução para desinformados frequentadores do lugar. Tecem fotografias como se estivessem no início do século XX, artesanalmente, um ou outro agora com a câmera digital, responsável direta pelo fim de uma profissão da cidade: do fotógrafo do lambe lambe.
Voltamos ao Centro de Abastecimento: O espaço construído para abrigar a  antiga feira livre. Mais que social, obra de viés essencialmente político, responsável pela destruição do mais importante ponto de atração turística da cidade, a feira livre. A maior feira livre montada no Brasil. Ainda hoje, o Centro de Abastecimento é um palco mal estruturado, onde os atores resistem em frequentar, onde vender e comprar encontra resistência na falta de higiene, na desorganização total do espaço, na falta de preparo para os dias de chuva, para a carga e descarga de mercadorias que ainda chegam de muitos lugares. Afinal Feira de Santana é uma região metropolitana e graças a estas mercadorias que insistem em serem comercializadas em lugar tão inadequado, várias cidades desenvolvem suas próprias feiras, montam e desmontam vidas, expectativas, sonhos, vivências de um povo... Partimos para outro ponto de grande história: o campo do gado.
O Campo do Gado entra nessa sessão de estudos como várias particularidades. Guarda a característica de estar sempre afastado do núcleo urbano e de ter um comércio nos moldes do que já foi um dia, onde vaqueiros-vendedores montam seus burros e cavalos para mostrá-los para venda, onde vaqueiros-compradores observam encostados na cerca, procurando notar um defeito na pata, no galope, nas vistas... A cena é modificada pela chegada de um barulhento caminhão de bois, não mais pelo aboio de outro vaqueiro. Chega carregado de gado pé duro, dependendo de onde vem gordo, e pronto para venda. Ao redor deste espaço de comércio, alguns boxes de artesão ferreiros, de produtores de utilidades de couro – selas, tacas, arreios, jalecos... Um restaurante que serve carne cozida (ensopado),  e galinha ao molho pardo, acompanhada de feijão, farinha e pimenta.
Estudar Feira de Santana... Voltar do novo Campo do Gado para o antigo. Encontrar neste espaço o Shopping Boullevard, o Ville Gourmet, entrar e se deparar com prédios antigos escondidos pelos novos restaurantes, novas pizzarias, e por campos de futebol. Olhar e se deparar com Glauber Rocha encostado no curral, filmando Deus e o Diabo na Terra do Sol. A cena do vaqueiro roubado e maltratado que se volta contra o fazendeiro.
Caminhar mais um pouco e chegar até a feirinha. A Estação Nova. Por que nova? Por que substituiu a velha, aquela das proximidades da Matriz. E que deu nome a feira livre atual na Avenida João Durval Carneiro. Mas que também não mais existe enquanto estação, nem na lembrança do prédio que foi demolido, sabe-se lá por que, e que encontra-se em construção eterna, sem ninguém saber direito o que está sendo construído de novo.
Voltar para a escola, estudar, pensar, conversar com pessoas mais velhas sobre esta história de Feira de Santana... reescrever esta história.