sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Estrelas são flores

Estrelas são flores
À noite, enquanto colho estrelas,
Encho minhas mãos de flores.
Mas a minha boca continua seca...


Estrelas são flores
Ao nascer do dia,
Enquanto me deixo atravessar
Pelo vento e raios do sol
Conto estrelas
E tenho
Para além da boca seca
Desvairados pensamentos



Estrelas são flores
Ao meio dia
Enquanto mato minha fome
Descubro não ter mais
Sua vã filosofia


Estrelas são flores
E decido-me a contá-las
Sem medo dos calos nas mãos
Ou das verrugas espalhadas pelo corpo

Estrelas são flores
E brilham
Dão luz
Espalham luz
E cor
Nascem e morrem
Sempre por meio de explosões

Estrelas, flores e explosões
Lenda...
Perigo!
Uma nau se aproxima do céu
Navego tão perto do seu corpo
Da sua luz e brilho
Até que
Decido partir
A tarde se foi
E milhares de estrelas saem
Para mim
Atordoado cedo e
Volto a colher flores na Terra
Com a boca seca...
E um fardo
De saudades...

AUGUSTO SPÍNOLA

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A feira livre

Preso na sala
no centro da feira...
Ah! Se fosse 1977
ainda encontraria
Barracas montadas na Getúlio
Vendendo caças
muqueadas
Cachaça curadas
e ovos de galinha
de quintal
Se fosse 1977
Encontraria bancas de cordel
e tantas melancias abertas
Prontas para mostrar o sabor
da terra
Se encontrasse a feira livre
procuraria banha de carneiro
Para curar mãos
machucadas
com reumatismo
Talvez encontrasse o caminhão de
Dinho Gaspar
Rumando para Pé de Serra
Pertinho
Com sorte,
Seis horas depois...

Augusto Spínola Jr.

MUSEU DA FAMÍLIA: ENTRELACE LEITURA E MEMÓRIA

Augusto Monte Spínola Cardoso Júnior[1]
Fabíola Silva de Oliveira[2]

“Outro dia fui mostrar para o meu filho o que era uma máquina de escrever!”

Paulo César Vasconcelos, jornalista da ESPN Brasil, no dia 04 de Agosto de 2008, por volta das 23 horas e 15 minutos, no Programa Linha de Passe - Mesa Redonda – ESPN-Brasil.

Resumo

Esta atividade de construção do conhecimento da história familiar – o Museu da Família - é resultado de uma experiência leitora, que teve como um dos seus elementos de sustentação, a utilização de diversos tipos de documentos, que possibilitaram diversas formas de leitura como via de acesso ao conhecimento histórico. O Museu da Família se constitui como atividade permanente na disciplina de História, nas turmas de 5ª série, permitindo o processo interdisciplinar com outras áreas do conhecimento.
A atividade parte do pressuposto que todo ser humano é construtor histórico – social e se fortalece, a partir das relações fomentadas e construídas-reconstruídas, inicial e permanentemente na micro-célula social – a família instituição responsável pela formação das bases identitárias, que são guardadas e resgatadas pela/na memória. Nessa direção, conhecer a história dos seus familiares é tornar possível a compreensão da vida; é construir um processo de formação de identidade, cultivando a cultura e história de um povo, materializadas pela memória.

Abstract

This activity of construction of the knowledge of familiar history - the Museum of the Family - is resulted of a reading experience, who had as one of its elements of sustentation, the use of diverse types of documents, that make possible diverse forms of reading as way of access to the historical knowledge. The Museum of the Family if
constitutes as permanent activity in disciplines of History, in the groups of 5ª series, allowing the process to interdisciplinar with other areas of the knowledge. The activity has left of the estimated one that all human being is historical constructor - social and if it fortifies, from the fomented relations and construct-reconstructed, initial and permanently in the social micron-cell - the family responsible institution for the formation of the identitárias bases, that are kept and rescued for they /em the memory. In this direction, to know the history of its familiar ones is to become possible the understanding of the life; it is to construct to a process of identity formation, cultivating the culture and history of a people, materialized for the memory.

Palavras-chave: história da família; museu da família; memória; documento; identidades.



Introdução


O Museu da Família, atividade desenvolvida no curso de História, junto a alunos da 5ª série do Ensino Fundamental, é resultado de uma experiência leitora que teve como um dos seus elementos de sustentação, a utilização de variados tipos de documentos. Esta característica quanto à documentação, por sua vez, possibilitou tantas outras formas de leitura como via de acesso ao conhecimento histórico do universo familiar.
O curso na 5ª série é uma iniciação aos estudos da Ciência História, com o propósito de favorecer a compreensão de qual é o objeto de estudo dessa ciência. Desenvolvemos com o projeto uma discussão sobre documentos utilizados pelo historiador para fazer as suas pesquisas e sobre o ofício do historiador.[3]

“Pude falar com minha mãe... Dizer o que aprendi nas aulas. Pude observar a reação da minha mãe, que lembrou da infância dela.” (Aubérico, 5ªA)

A experiência de estudar história e a memória através do Museu da Família se constitui como uma atividade permanente, permitindo o processo interdisciplinar com outras áreas do conhecimento. Aprender sobre histórias é construir-se leitor do mundo,
do contexto que o cerca e que caracteriza o fato. É sabiamente aprender a ser senhor dos tempos. É aprender a andar na rua, pegar ônibus e a conhecer a cidade; é aprender a andar pela caatinga, pegar atalhos e a conhecer cada palmo do chão onde se faz e atua. Aqui, muito do estudo histórico encontra-se entrelaçado com imagem, literatura, física, lingüística e memória.
Compreendendo que estudar História é apropriar-se da construção da vida da humanidade e construir-se atuando como cidadão, instigamos os alunos à construção de um Museu, composto com documentos que revelariam a história das suas respectivas famílias. Partiriam para uma coleta/seleção dos documentos e em seguida, fariam uma entrevista com os familiares para obterem informações sobre o documento escolhido. Favorecer-se-ia uma análise quanto à dimensão da história de cada um, sobre nossas vidas em suas manifestações mais cotidianas, dirigindo-se um olhar investigativo e crío: conhecendo sobre nossas vidas, dirigindo o nosso olhar crtico possibilitado pela leitura dos documentos que carregam muitas vezes, uma série de informações sobre as estruturas familiares: sobre sua religiosidade, sobre as formas de diversão, o legado cultural, sobre a educação, sobre as profissões vivenciadas, as origens familiares, as viagens, sobre formas de pensar e ver o mundo. Documentos que certamente possibilitam tantas diferenças, entre as histórias das famílias de cada um.

Desenvolvimento
Os estudantes de História na 5ª série aprendem sobre seus pais avós, bisavós. Os resultados apontam para além de um olhar diferenciado diante da leitura dos objetos
recolhidos, um fortalecimento dos laços afetivos entre os familiares quando no momento da entrevista - são instigados sentimentos, desejos e sensações muitas vezes esquecidas ou guardadas, e para a ampliação do leque de conhecimento sobre o estudo da História enquanto disciplina escolar. O entendimento da importância do ato de pesquisar e de ser pesquisador é salientado junto a uma compreensão da história familiar para a construção da história social.
Aqui, através da experiência, um texto originado das informações colhidas na família, se volta para esta, transformado noutro texto! Num primeiro momento são famílias contando histórias para outras, são familiares contando histórias para seus descendentes.
Em seguida, são todos estes contadores de histórias ouvindo, vendo seus netos e filhos se posicionarem com novas versões sobre os fatos/documentos estudados, de forma nova, com motivações e razões próprias, fruto do estudo da importância de ser historiador, realizados pelos alunos, não tanto por seus pais, avós, bisavós...
A atividade parte do pressuposto que todo ser humano é construtor histórico – social e se fortalece, a partir das relações fomentadas e construídas-reconstruídas, inicial e permanentemente na micro-célula social – a família. Esta instituição é responsável pela formação das bases identitárias, que são guardadas e resgatadas pela/na memória.
Nessa direção, compreendemos que conhecer a história dos seus avós, bisavós, tios, padrinhos, pais, ou de outros familiares, por meio da leitura de fotografias, de objetos e utensílios domésticos, brinquedos, coleções de moedas, coleções de selos, instrumentos musicais, louças, vestes, receitas culinárias, selas, estribos, espadas, poemas, canções de ninar, cartas de amor, cadernos escolares, cartas pessoais e outros registros escritos que fizeram e fazem parte do acervo familiar, é tornar possível a própria compreensão da jornada da vida familiar; é construir um processo de formação de identidade, cultivando a cultura e história de um povo, materializadas pela memória.
Mas como fazer estes documentos falarem? Como ou o que ouvir dos seus gritos, dos seus silêncios, das suas histórias? Afinal, como ser historiador?[4]
Partimos para novas discussões em sala de aula, mas principalmente nos voltamos para as longas conversas com nossos familiares, donos das preciosidades.
O que era aquele documento?

“Tinha documento que eu não sabia que existia!” (Regina, 5ªB)

De quando era?

“Não sabia que o baú que trouxe era do meu tataravô” (Eliane 5ªB)

Qual o material utilizado para sua construção?
Em que contexto se inseria?

“Naquela época era moda ter uma vitrola” (Gabrielly, 5ªB)

Foi um presente de casamento, ou de aniversário? Uma lembrança do padrinho? Foram muitas perguntas e algumas respostas...

“Eu aprendi coisas que não sabia... a gente fica mais informada sobe a história da família” (Laize, 5ªB)

“Gostei de trazer o robô do meu pai. Ele ganhou quando tinha cinco anos. Podemos comparar robô velho com robô novinho!” (Gabriela Chaves, 5ªA)

“Eu nunca tinha visto o meu vestido de batizado.” (Beatriz, 5ªA)

Metodologicamente, a atividade é desenvolvida por meio de pesquisa participante, utilizando:
1. A coleta de dados (entrevista junto à família, e coleta dos possíveis documentos da história de cada família);
2. Leitura e produção de textos sobre a história de cada documento coletado e
3. Exposição do museu para a comunidade escolar e familiar.
A seguir, os aspectos teóricos-metodologicos que favoreceram a construção do Museu da Família:
I Aspecto teórico metodológico do estudo
*Discussões provocadoras
1.O que é história
2. Quando e onde acontecem os fatos
3.O que é um museu
II A historia da família
1. Os meus avós, pais, tios padrinhos – origens: onde viveram, brincadeiras de crianças, profissão...
III Os documentos que foram investigados:
1. Qual o tipo de documento
2. Qual a idade?
3. Que história ele me conta?
4. De que maneira revela a época vivida por meu parente?
IV O estudo quanto aos aspectos metodológicos e avaliativos
1. Quanto às aulas
a) 1ª fase – coleta de documentos – 09 aulas
b) 2ª fase – seleção de documentos para serem estudados na escola;
c) 3ª fase - catalogação (de quem é o documento, de onde veio, qual sua historia...); construção de textos e exposição – 03 aulas.
d) 4ª fase – exposição por três dias na escola.
2. Avaliação:
Será uma avaliação como tantas outras que resultam numa nota final (máximo de 3,0 pontos); serão usados como critérios de avaliação:
a) A discussão sobre a ciência História - grau de maturidade do discurso, compreensão sobre conceitos e termos próprios da ciência;
b) A discussão sobre o que é museu;
c) A seleção e catalogação de documentos para o museu;
d) O envolvimento com a historia do documento (a investigação que vem sendo desenvolvida e demonstrada pelas discussões);
e) A montagem da exposição;
f) A produção do texto sobre a historia de cada documento (objeto) selecionado pelo aluno;
g) O cumprimento de cada atividade, no prazo estabelecido em sala de aula em acordo professor-aluno.
Os resultados apontam para a ampliação do leque de conhecimento sobre o estudo da História enquanto disciplina escolar e para o entendimento da importância do ato de pesquisar e de ser pesquisador que é salientado junto a uma compreensão da história familiar para a construção da história social.
Após discussões e leituras de textos em sala de aula, nos voltamos para seleção dos documentos que apresentamos no Museu da Família. Foi gratificante acompanhar a pesquisa saindo da sala de aula, indo ás casas dos alunos e retornou à classe, num processo de modificação das (novas) concepções sobre a História, antes composta de fatos históricos atribuídos a pessoas apontadas como mais importantes, muitas vezes de classes sociais mais favorecias e dominantes. Agora a História torna-se deles também,
todos os familiares, que se misturavam aos alunos num processo de recordação, de memórias, de depoimentos sobre as transformações por que passavam os filhos.

“Professor, no meu tempo isto não era História.” ( José, avô da 5ªA)
“Professor, pensei que estas cartas não iam servir para nada!”(Luciana, mãe da 5ª A)

Conclusão


A construção do Museu da Família com os alunos da 5ª série saiu dos muros da escola e chegou a vários espaços da cidade. A experiência foi muito bem recebida em outras escolas, e nas residências familiares, talvez o lugar de melhor acolhida. Vários pais e mães, avôs e avós entraram em contato com a escola e deixaram registros das suas visões acerca da atividade. Muitos reconheceram uma nova forma de se estudar História, como já foi registrado, comparando esta visão inicial, por uma história mais familiar, mais social, com aquela (ainda) ufana, patriótica, de personagens e vultos importantes, heróis[5], essencialmente masculinos dos seus momentos de estudos no “ginásio”. Em muitos momentos o espanto diante do documento exposto revelava um choque entre a História do aluno/a da 5ª série com aquela carregada por eles pais! “Uma sanfona pode ser um documento, professor” (Driele, mãe da 5ªA), ou” quanta riqueza percebi ter na minha casa!” (André, pai da 5ª C).
Diante de uma proposta de iniciação aos estudos da História logo nos primeiros momentos da vida escolar no Ensino Fundamental, acreditamos que pais e escola puderam acompanhar o desenrolar de estudos acercas de categorias próprias da ciência. Em outros depoimentos conceitos/conceituações sobre temporalidade, sobre documentos, um maior interesse para a atividade de pesquisa foi se desenvolvendo a cada momento, a cada atividade: “Não é o que é mais velho, é o que é mais importante para nossa família!” (Débora, 5ªA). Esta situação que mistura sala com casa de aula nos faz ver que não estamos mais diante de uma escola transmissora apenas de conhecimentos, mas de caráter mais investigativa, com maior diversidade de enfoque teórico-metodológico[6]. O estudo permitiu que, para além da apresentação do Museu para seus familiares, as crianças pudessem revelar para o professor, o que entendiam que fosse um museu, o que poderia constituir este espaço, algumas características dos documentos, e a importância de cada elemento exposto para a história de cada um.“ Não sabia que meu avô conhecia João Durval nem que ganhara este óculos de presente dele.” (Simeone, 5ªB)
Neste momento, o resultado da atividade de estudo da História, através das diversas leituras possibilitadas pelos documentos presentes no Museu da Família, reafirma, por um lado a (própria) historicidade da linguagem, quanto, por outro, a importância de uma iniciação científica cada vez mais de base.


Anexos A
Carta

Feira de Santana, 3 de Junho de 2004

Augusto, Professor de história de Júlia Caffé Oliveira Uzêda:
Por que tanta formalidade? Não, não é formalidade. È o desejo de deixar expresso a importância desse professor na vida de Júlia, aliás na sua história de vida. Até porque, agora você Augusto faz parte desse “museu da família”. Foi muito legal a experiência, a oportunidade, de resgatarmos elementos que fizeram parte do nosso dia-a-dia, e que de alguma forma deixaram lembranças boas, outras na tão boas...
Na verdade, o que ficou para todos nós que passamos e ajudamos Júlia conhecer um pouco da história da sua família (todos se envolveram), foi a certeza de que tudo em importância para nós, enquanto seres históricos. Eu não sabia que tínhamos tantos objetos “valiosos em casa”. Na medida em que procurávamos um objeto mais antigo, Júlia nos presenteava com uma frase peculiar das discussões de vocês lá na sala: “não precisa ser tão antigo mãe, basta fazer parte da história de nossa família e que vocês gostem muito.”
Então entendemos literalmente a necessidade de apresentar para Júlia tudo aquilo (ou quase tudo) que rodeava seus onze anos de vida e nossos... (bem não precisamos dizer as nossas idades, já fazemos parte de um Museu!) e que se tornaram tão significativos para a família “Caffé Oliveira Uzêda”.
Gostaríamos de agradecer a oportunidade e compartilhar tais questões com Júlia, e principalmente poder relembrar muitas coisas de um passado rico em lembranças maravilhosas. Valeu!
Desde já conte conosco para próximas experiências.
Júlia, André e Leomarcia.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Historia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História, ou, o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BOSI, Eclea. Memória e sociedade. Lembrança de velhos. S. Paulo: T. A Queiroz, 1979.

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

BURKE, Peter. (org.). A escrita da História; novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992.

CABRINI, Conceição Et alli. O ensino de história: revisão urgente. 5. ed. São Paulo, Brasiliense, 1994.

DAIRELL, Juarez. (org.) Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GUSMÃO, Emery Marques. Memórias de quem ensina História; cultura e identidade docente. São Paulo: UNESP, 2004.

KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

NIKITIUK, Sônia Maria Leite. Repensando o ensino de História. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.
[1] Augusto M. S. Cardoso Jr. é professor de História do Ensino Fundamental no Colégio Gênesis, na rede pública e é Especialista em História da Bahia e em Educação.
E-mail: augustomonte@gmail.com
[2] Professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental do Colégio Gênesis (Feira de Santana/Ba). Especialista em Metodologia e Prática de Ensino de Língua Portuguesa. E-mail: fabiolasoliveira@hotmail.com
[3] BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História, ou, o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

[4] BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da História, ou, o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

[5] BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Historia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

[6] BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Feira livre

Existe uma necessidade de nos voltarmos para a compreensão das implicações das formas e imagens constituídas pelas feiras livres em Feira de Santana e a riqueza intrínseca presente, tanto nas memórias da população dos feirantes-comerciantes que constroem a feira, como da população freguesa que a compõe e dá vida ao comércio, e que o faz num movimento de compra e venda febril dos produtos oferecidos. Entendemos este como um estudo vinculado à memória e paisagens das feiras livres no centro da cidade de Feira de Santana.
Aqui se pretende compreendê-las na segunda metade da década de 1970, quando a feira constituía-se na Avenida Getúlio Vargas (com área de concentração maior nas proximidades da Avenida Senhor dos Passos, e ruas Marechal Deodoro e Sales Barbosa), até, num outro momento, os dias atuais, quando as feiras se desconstroem com a mesma facilidade com que foram construídas, por todo o centro da cidade. São ruas, becos e avenidas, portas de lojas, de agencias bancárias e praças, todos estes espaços tomados por barracas, tendas, esteiras, (até capôs de carros!) onde se organizam e re-organizam em movimentos constantes (que convém entendermos como a dinâmica da História)! Toda a feira que traz consigo um diversificado número de produtos e de memórias.
Encontram-se num mesmo espaço, constituindo uma mesma forma ou imagem, pessoas que vivem do comércio ambulante e que não se limitam a percorrer ruas e becos e tantos outros espaços de memórias; não apenas por opções de melhores negócios, mas muitas vezes por imposições de decisões políticas, de interesses específicos que modificaram outro desenho da feira ao longo da Avenida Getúlio Vargas. Mas decisões que não conseguiram impedir, e isto também nos interessa, as tantas outras construções de feiras, que variaram, desde a forma de um carrinho de mão com cestos ou não sobre eles, até a ocupação de calçadas inteiras das ruas, oferecendo, para além de produtos agrícolas como tomates, alfaces, coentros, batatas e beijus - realçando a visão multicolorida da feira - facas, espelhos, mata ratos, pastas milagrosas e ervas medicinais, tensões sociais, memórias, imagens, história.
A necessidade de incluir um estudo sobre a imagem e memória, diante da dinâmica da construção da (s) feira (s) livre (s) de Feira de Santana, suas relações com o espaço do centro da cidade, com a cultura e com o cotidiano nos remete a esta produção.
Partimos da constatação presente em boa parte dos estudos sobre a história da cidade: ela nasce de uma fazenda – um espaço rural – que vai se moldando povoado, depois vila, até alcançar a condição de espaço urbano mais definido, a cidade de 1873.
Tudo isso graças ao desenvolvimento comercial – as feiras de gado e a feira livre - que insiste em tê-la por perto, ou, mais que isso, que possibilitou esta transformação de fazenda em cidade.
Feira de Santana, segunda maior cidade do estado da Bahia, está situada numa zona de planície, entre Recôncavo e os tabuleiros do semi-árido nordestino. Atualmente ocupa uma área de 1.338,1 km, distante 108 km da capital, Salvador. Conta com um número expressivo de estabelecimentos comerciais, que oferecem desde produtos alimentícios, até artigos importados. O freguês (sim, o freguês – a cidade parece ser uma feira constituída!) pode facilmente encontrar farinha, feijão, aipim, tecidos, bijuterias, jóias, couro, selas e outros utensílios de montaria. Tantos produtos que um dia se encontraram misturados a aquele que pesquisadores da história local consideram o mais valoroso para o povoado, vila e cidade: o gado. Que se não chegou a tanto com se supõe, contribuiu decisivamente tanto para a imagem que vai se construir no espaço ocupado pela feira, como para a identificação da população com a figura do vaqueiro e de todo o estilo de vida que se constrói e por ele é construído: terra, gado, mata, esterco, música sanfonada, cantorias, cuscuz, aboios, ensopados e literatura de cordel. E olha que não registramos aqui nem uma décima parte da variedade dos artigos e do colorido que estão presentes numa feira – digo no comércio de Feira de Santana - com estas informações passadas.
Até onde vai o eterno armar-se da feira pela vida da cidade?